DEZEMBRO >> Carla Dias >>


Por mais que eu corra da sensação, é difícil evitar. No final do ano, nos dezembros já com pés na segunda quinzena, não são apenas as faturas do cartão de crédito que aumentam.

A sensação de que em breve será diferente, de que a lista de desejos terá itens diversos ticados; de que a palidez das paixões e o claustro onde reside minha imaginação ganharão cores e janelas abertas... A sensação persiste, nem sei se por mau hábito ou falta do que colocar no lugar.

E a sensação é voraz, bicho faminto e vai me comendo por dentro. E enquanto dói de despreparo para o novo, ainda que seja o ano, aproveita para arar a esperança que guardo comigo, companheira de avessos.

Dezembros me fazem sentir puxada pelos braços, sendo partida em duas essas tantas outras que já sou e há tanto tempo. Porque além do ano que finda e o que chega, eu ganho tempo, um tempo chamado férias, que deveria ser de sombra e água fresca, de diversão desembestada, mas que sempre é do refletir, do interiorizar, do engolir a seco. E, graças, também é dos discos, dos livros e dos filmes.

Dezembros e suas segundas quinzenas são efeito colateral de uma rotina ancestral, com duração apontada por calendário. É quando repensamos o que fizemos, mas com a permissão de recomeçarmos junto com os janeiros. Esse é um sentimento coletivo. Agora, o que sentimos pelos janeiros já é particular, tem a ver com a realidade autoral, as circunstâncias criadas a partir dos desejos de dezembro, onde tentamos plantar certo esquecimento pelos outros dez meses do ano, mesmo sabendo ser impossível.

Há bálsamo nesse esquecimento desajustado.

A verdade é que eu adoro julhos... Julhos me encantam de um jeito que nem sei. É a estação que chegou há pouco e já está mais acolhedora no julho. Fevereiros sabotam a quietude necessária para que eu continue ensimesmando e ruminando minhas ideias sem pé nem cabeça.

Março?

Eu poderia falar sobre o que sinto por todos os meses do ano, até mesmo por um ano inteiro de determinada década da minha vida, mas olha que estamos em dezembro... Segunda quinzena... Inquietação demais me impede de traçar um calendário particular. Janeiro de ano que vem despontando... E férias! Nada a fazer com tanto em pauta.

Quem não sofre da síndrome do dezembro chegando ao janeiro que atire o primeiro calendário.


www.carladias.com

Comentários

Unknown disse…
Eu adoro o clima de dezembro, embora, para mim, sempre tenha um toque de melancolia e nostalgia. Mas é só romper o ano novo que tudo passa.
Carla Dias disse…
Fernanda... Nesta crônica, dezembro é apenas uma metáfora para o tempo que passamos a repensar sobre quem somos e em quem gostaríamos de nos tornar, ou se este é um desejo válido, crentes de que podemos agarrar um recomeço: o janeiro. Acho que a melancolia e a nostalgia fazem parte desse período. Mas como você disse, basta chegar o ano novo e a gente entra novamente no clima das descobertas. E isso é bom...
Gostei do humor, Carla. :) Boas férias, com múita música, letras e vídeos.

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