O BERÇO >> Kika Coutinho

Eu já sabia que estava grávida, e já o sabia há cerca de uns 6 meses. A barriga já apontava para o mundo, já não me deixava passar em vãos médios, já chegava primeiro do que eu em qualquer lugar.

Por tudo isso foi que estranhei a mim mesma, quando me vi surpresa com a chegada do quarto do neném.

O porteiro interfonou que tinha um caminhão de móveis com entrega e, até aí, tudo bem. Mandei subir. Rapidamente os entregadores batiam à minha porta e um deles, o mais alto, foi logo perguntando:

— Onde vai a cômoda? — mostrei-lhe o quarto e o canto reservado para a nossa pequena cômoda.

— Ok — ele continuou. — E onde vai a cama?

— A cama, claro, logo ali — indiquei a parede reservada para o sofá-cama que receberia os visitantes da nossa filhota.

— E o berço? — pronto. Foi aí que o negócio pegou. Quando ele falou a palavra berço, um instante de pânico me invadiu. Cama e cômoda são móveis corriqueiros, todo mundo já recebeu um ou dois na vida. Estamos todos habituados às camas e às cômodas, como estamos habituados aos armários, aos sofás, às poltronas, tudo pra lá de normal. Mas berço? Quem é que tem um berço na própria casa? Eu nunca tive. A não ser quando eu mesma dormia em um e, mesmo assim, nem tenho certeza se isso já aconteceu.

O rapaz me olhava, firme, e perguntou mais uma vez:

— E o berço? Vai onde?

Eu não conseguia lhe responder. Dei um riso nervoso e falei que tanto fazia. Imagine, falei assim, como se fosse óbvio: “Tanto faz”. Ele se virou e começou a montar a cama.

Eu, assistindo a tudo, já estava trocando o riso pelo choro. Meu Deus, vai ter um bebê aqui, nessa casa, no quarto ao lado do meu. O que vou fazer com ele, como vou segurar, como vou fazer para dormir, para comer, para chorar ou para não chorar, como vou cuidar de um bebê, eu, que mal consigo manter uma samambaia por mais de uma semana?

O entregador me olhou de novo e eu dei uma soluçada. Os outros entregadores, todos, viraram-se para mim quando eu enxuguei a primeira lagriminha. Um silêncio ensurdecedor tomou conta do quarto, e eu saí de lá correndo.

Fiquei um pouco na sala, sentada no sofá olhando para a barriga. A barriga estava lá, a Sofia mexia-se dentro dela, e o berço estava no quarto. Então era tudo verdade? Não era uma brincadeira? Não eram só as roupinhas e os presentes? Não eram só os ultrassons e aquele barulho de chuva que o médico jurava ser o coração da minha pequena criança? Não era só a idéia? Não era só sonho e poeira? Não. Não era. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça, pensei, num instante, já me recriminando pelo meu próprio pensamento. Vai que ela escutava. “Alô, alô, tem alguém aí?” cochichei perto da barriga, pra ver se ela estava prestando atenção. Nada, nem sinal. A não ser o berço. As marteladas da montagem começaram e eu fui lá assistir. Prendi o choro enquanto ele juntava o estrado, ajustava a rodinha e formava ali um berço de verdade. Tamanho natural.

Por fim, quando ele estava finalizando a montagem, agachou-se para ajeitar qualquer coisa no móvel, e foi aí que todo meu pensamento poético desapareceu para reparar, de repente, no cofrinho que formou-se logo acima da calça jeans do rapaz. Ele estava tão concentrado analisando o berço por baixo do estrado que nem notou, mas eu não consegui deixar de pensar: “Meu Deus, que cofrão!”. Tive vontade de pedir ao outro moço uma moeda de um real, pra jogar ali, mas fiquei sem graça e, quando dei por mim, estava soltando uma gargalhada. Eles me olharam mais uma vez, certamente achando que estavam na casa de uma doida varrida: que mulher era aquela que passava do choro à gargalhada em frações de segundos? Tive até a sensação que os rapazes apressaram-se a terminar o serviço, tamanho o desconforto que a minha risada, já constante, devia estar causando.

Eles foram embora meio ensimesmados, me olhando de soslaio quando eu corri para ver o quarto mais uma vez, agora sozinha — ou melhor — com ela, que pulava sem parar dentro da barriga. Ali, apoiada a um berço vazio, entre a gargalhada e as lágrimas, dei razão aos entregadores. O sentimento era confuso, o quarto era lindo, os chutes fortes e, eu, sim, uma doida varrida — claro...

Comentários

Doida Ana, que nos varre das lágrimas ao riso em uma única crônica.
Unknown disse…
Esses texto de maternidade sempre me emocionam. Acho que minha missão na Terra é um dia ter um berço em casa.
Anônimo disse…
Kika, tenho certeza que no segundo filho você pensará que estas inseguranças serão coisas do passado. Posso garantir que não. Elas retornam! Eu, como mãe, estou sempre vivendo as doçuras e as loucuras da maternidade. Linda crônica!
Margarete disse…
Kika, eu também tive esta sensação com a Sofia...O que eu faria com um bebê..Só ouça o seu coração, ele falará mais alto.... Ontem mesmo eu tive um surto e fui bater na vizinha chorando. A Sofia detesta escovar os dentes, chorou,chorou até que perdeu o fôlego e deu uma 'apagadinha'. Segundo a pediatra, birra de criança. Segundo os meus instintos maternos, MEDO. Passa...E vc.vai aprendendo a lidar com esta criatura que te domina.ah, sim, domina..Bjs. Adoro suas crônicas.

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