DESCONEXÃO >> Carla Dias >>

Há alguns anos, li um livro que mexeu demais comigo. Depois de ler a última página, passei muito tempo sentada no sofá, sentindo aquela inquietude de quem não sabe o que fazer com aquilo.

Escrevi um conto.

Sou fã desse escritor. Li um livro famoso dele, mas este sobre o qual falo é outro, não tão famoso, mas ótimo.

Depois de ruminar essa inquietude, resolvi correr o risco e mandar o conto ao autor do livro. Enviei por e-mail, explicando como o conto nascera; comentando como fora importante ler o livro dele. Para minha surpresa, ele respondeu.

Fiquei muito feliz, não só por ele dizer que gostou do meu conto, mas porque é sempre muito bacana conversar com o autor de uma história que nos marca. E eu estava ávida por conversas literárias, por conhecer o nascedouro daquela idéia.

Talvez o tal escritor não tenha mesmo alcançado a importância dessa janela que abriu para mim. Empolguei-me com os meus próprios escritos, passei a escrever com mais freqüência, buscando a minha própria história.

Internet é um bicho estranho, ou somos bichos estranhos ao utilizá-la. A distância física que ela promove atiça a nossa imaginação, o que não é ruim, contanto que não a tornemos uma constante e sejamos escravizados pelas nossas deduções. Particularmente, acho que lido bem com ela... Deixo os personagens para os livros e as pessoas têm de mim o que penso e sou, caso desejem me conhecer.

Nas conversas por e-mail com o escritor, a origem da inspiração (ou piração), como surgiu a idéia sobre o livro, o fazer literário e a visão dele sobre a vida me interessava. Tanto que eu não queria que a nossa convivência saísse do mundo virtual, porque ali cabíamos numa boa troca de impressões. Porém, o escritor, moço que gosta do tête-à-tête, fez questão de um café. Eu relutei, mas chegou uma hora em que me senti nada educada, até porque o escritor morava no mesmo bairro que eu.

No dia do café, acordei sabendo... Não era a primeira vez que acontecia. Algumas pessoas que lêem meus escritos costumam somar a minha ligação com a literatura com o fato de eu ser produtora de eventos e baterista, e imaginar uma cara para isso. E não é a minha. Nunca é.

Apesar de ter adorado a oportunidade de conhecê-lo e o bate-papo, porque aproveitei para falar ainda mais sobre livros e afins, percebi, no momento em que cheguei na cafeteria, que não caberia mais nas intenções do escritor. Primeiro, porque já conheço as desculpas para quando desejamos nos desfazer da presença de uma pessoa, e reduzir um primeiro encontro com alguém com quem vem falando há algum tempo a vinte minutos, é uma delas. Depois, porque não era mais a leveza e a profundidade das conversas por e-mail que reinavam da parte dele. O cenário ficou desértico, ácido.

Eu não coube na expectativa do escritor.

Apesar de me sentir triste pelo rumo da prosa - pois eu buscava pelo escritor, pela aventura de interagir com a essência da história que me encantou, mas ele buscava em mim a pessoa dos e-mails, só que em outra embalagem - , ainda me lembro desse dia com carinho. O livro continua de cabeceira e já o reli algumas vezes, mas trocamos apenas um e-mail, depois daquele dia. E então o escritor me deletou do seu address book.

Que território perigoso é esse da internet, não? Não... Essa é uma ótima ferramenta para interagirmos uns com os outros. Os perigos moram nas idealizações que fazemos, sem considerarmos que, apesar de não serem como esperamos, as pessoas que encontramos nessa vida podem oferecer muito mais do que, erroneamente, prevêem as nossas expectativas.

Penso que teria dado uma boa amiga para esse escritor tão acostumado a ser admirado, paparicado, até. Digo isso levando em conta as nossas conversas por e-mail... Eu não o papariquei, mas sim, o admirava e ainda admiro.

Esta é uma conexão perdida. Eu fiquei com a minha história nem tão feliz nem tão triste, e ele com o esquecimento. Pois, certamente, se nos cruzarmos por aí, ele não me reconhecerá.

Mas sabe? Foi uma boa experiência... Outro capítulo da minha vida que me fez repensar sobre as buscas humanas e sobre prioridades. Uma das minhas é ser quem sou e deixar que os outros sejam eles mesmos.

Imagem: Sthepane Tougard

www.carladias.com

Comentários

Antes de mais nada, bela crônica. Agora, permita-me um comentário pessoal...

Dia desses, uma amiga de Sampa perguntou o que eu gostaria de ver quando fosse a São Paulo. Eu respondi que quero ver a Carla Dias. E acho que não vão ser apenas 20 minutos. :)
Carla, querida,
É bem curioso o universo humano, não? As idealizações que fazem sobre nós, nos colocando numa embalagem confusa, difusa, torta de nós mesmos... E é isso: sem perceberem quanto se poderia acrescentar desses eventos se fôssemos desprovidos de expectativas tolas...
Quem sabe se esse seu texto não amplia um pouco as mentes... Sempre se pode ter esperanças... :)
Beijo enorme.
albir disse…
Como sempre, Carla, muito enriquecedora sua crônica. Me impressiona sua habilidade em lidar com as pessoas. Oferece admiração, não paparica, e com isso só recebe e guarda o que é bom - a arte. Parabéns pelos seus textos e obrigado por nos permitir acompanhar suas reflexões.
Anônimo disse…
"... Os perigos moram nas idealizaçoes que fazemos, sem considerarmos que, apesar de não serem como esperamos, as pessoas que encontramos nessa vida podem oferecer muito mais do que erroneamente, prevêem nosssas expectativas.."

Carla, Muito bom ler seus textos,nesse, em especial a lembrança de estarmos atentas às idealizações e expectativas que fazemos.

Um abraço,
Monica
Carla Dias disse…
Eduardo:
Fiquei feliz por ser uma das suas metas paulistanas : )

Débora:
Sabe o que acho bom nas idealizações? É que elas são frágeis, servem apenas para afinar a imaginação. Quem tem consigo essa certeza, trafega com mais tranqüilidade pela vida, aprendendo que nem sempre receberá o que espera; que nem sempre o que espera é o que necessita.

Albir:
Confesso que as pessoas, os universos alheios, me interessam profundamente. E sim... Você me verá feliz, lisonjeada, aluna dedicada a saber mais sobre o outro, mas não me verá paparicando afetos. O que de mais belo vejo na qualidade humana é a possibilidade de aprender com as descobertas de cada um. E para isso, é preciso somente um canto, um café e um bom bate-papo.

Monica:
Às vezes, repetimos algo que já sabemos apenas para relembrarmos, pois somos amantes do esquecimento. Eu tenho meus dias de viajar em expectativas. Mas o problema não está em criá-las, mas em como colhê-las... Podemos escolher entre colher uma margarida ou uma tempestade.

Beijos a todos e obrigada por me lerem!

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