CURRICULUM VITAE >> Leonardo Marona

"A Troca da Roda"
Estou sentado á beira da estrada,
o condutor muda a roda.
Não me agrada o lugar de onde venho.
Não me agrada o lugar para onde vou.
Por que olho a troca da roda
com impaciência?
(Bertolt Brecht)
De fato, sugiro que as mães mantenham suas filhas longe de mim. Posso facilmente me apaixonar pela mãe. Tenho todas as péssimas qualidades de um romântico com crise de identidade. Alguns péssimos hábitos, como andar olhando as árvores e colher sorrisos desesperados de alguém que passe pela rua destilando intrigas. Ou mesmo um certo talento inato para ser arrebatado pelo mais miserável dos acontecimentos súbitos. Tenho a terrível habilidade de ler com os olhos as intenções das pessoas, tendo me equivocado em todas as oportunidades que exigiram certa disciplina, porque elas pareciam valer a pena mesmo assim. Bom lembrar: sou um eterno adolescente em questões emotivas, mas um ancião em questões práticas e de apego irrevogável. Do tipo disposto a atrasos debaixo de chuva perpendicular e longas conversas mudas através de óculos escuros com canudos sujos de batom. Sujeitinho que sou, muito suscetível às incertezas dos cílios e das bocas e das bordas das saias – joanetes inclusive. Minha alma é um cipreste impressionista esmagado por uma panturrilha neoclássica. Dormindo me sinto melhor, pois é quando posso estar com tudo o que me estimula a viver e morrer ao mesmo tempo. À noite certas tendências me afastam de um bom partido para qualquer coração necessitado de compaixão. Algo a ver com labaredas em idéias de pano. Algum comando diabólico me arquiteta com maquinações antecipadas de pseudo-reflexões que forjam movimentos e soluçam sustos através de atitudes impensadas, bem próximas do animalesco, e isso me mantém congruente apenas com meus pensamentos, poucas vezes sendo resultado de conversas apreciativas ou arroubos passionais. No entanto, o outro lado dessa tese inconcebível pelo ponto de vista intelectual promove arrebates instantâneos de ternura e compleição, tiros de flores a quem quer que me atravesse o caminho. Já me chamaram de anjo, já desejaram a minha morte, já me fizeram chorar de alegria e de pavor, já fui Judas, Barrabás, Nero, Salieri, já beijei dedo a dedo os pés do afeto, liquefeitos na fumaça de um incenso natural de corpos em chamas. Meu desejo é incontrolável e funciona feito uma bexiga. Pulsa pavorosamente quando está em estado de combustão. Enruga-se como uma bergamota chupada quando se extingue. Não posso controlá-lo ou agir como se pudesse, para agradar aparências espelhadas em arco-íris de contentamento e auto-avaliação. Não faço parte da análise histórica, não se pode ser sem ter sido. Me deixo levar como as folhas, do que resulta um certo aperfeiçoamento em aquaplanagem e uma leve tendência a vento. Sigo mulheres que são passos, sempre que chego já se tornaram em areia outra vez. Deixo elas fazerem de mim o que bem quiserem, desde que eu também queira. Com detestável perplexidade enrustida, desfaleço-me, finjo de morto, para me instalar nas pequenas dobraduras, onde não posso ser incomodado, e de onde observo melhor minhas próprias impossibilidades crônicas e meus planos de emergência mal-arquitetados: pára-quedas azuis de emergência entranhados com o perfume que vem do esfacelamento das pétalas inaptas para o pouso.

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