Filomena >> Alfonsina Salomão
Filomena tinha quarenta e quatro anos. Quarenta e quatro, às vezes repetia para si mesma, para ver se acreditava. Não sabia como havia chegado lá, ainda se sentia tão menina. Inclusive, quando conversava consigo mesma, se chamava de menina, não de mulher.
Olhava para as mulheres da mesma idade para tentar compreender o que era, ou o que não era. Considerava-se um pouco menos enrugada do quê a maioria, mas a diminuição do colágeno já se fazia visível na face. Nada dramático, nada que a convencesse a partir para o botox ou, como estava na moda, a harmonização facial. Este povo está enlouquecendo, pensava enquanto assistia fascinada as pessoas se transformarem na telinha do smartphone. Algumas até embelezavam, mas não pareciam mais as mesmas ao final do procedimento. Que sociedade é esta que quer que sejamos todos iguais? Filomena indagava, sentindo que a solidão era do tamanho da incompreensão.
Acontece que a aparência física não era a principal dissonância entre Filomena e as amigas da mesma idade. As outras se posicionavam como mulheres maduras, ao passo que ela até hoje não acreditava já ser adulta. Não tinha síndrome de Peter Pan, não era isso. Casara-se, tivera filhos, tinha uma profissão, capenga, mas tinha, sabia cuidar da casa e fazer coisas de gente grande, como pagar as contas e organizar a papelada. Mas isto não a impedia de olhar para os filhos crescidos e pensar, meu Deus, sou eu mesma a mãe, a responsável por estes seres humanos? Tal estranhamento não deveria ser natural. Falando em filhos, o mais novo, aos sete anos, uma vez exclamara, do nada, enquanto caminhavam na rua: A mamãe tem um grande lado criança! A filha, pré-adolescente, às vezes a olhava como se fosse um bicho engraçado, com uma expressão que misturava amor, compaixão e um pouco de vergonha.
O que diferenciava Filomena dos outros adultos era que ela sentia que não sabia muita coisa. Não que não fosse estudada, isto era, e muito. Simplesmente não conseguia ter certeza de que as pessoas eram o que aparentavam ser, ou que as coisas funcionassem de maneira definitiva, sem possibilidade de mudanças. Oras, não é possível agir com segurança quando você está sempre se questionando se esta ou aquela são mesmo o melhor modo de agir. Tantas reflexões traziam para Filomena uma forma de humildade. A sensação de que ainda tinha muito o que aprender lhe atribuía algo de fato infantil, quase ridículo aos olhos de quem não a conhecia.
Aquele que pensa que sabe, não sabe; aquele que pensa que não sabe, sabe – lera certa vez numa escritura indiana. A sabedoria antiga a confortou, ressoou com o sentir de Filomena. Talvez ser assim, desajustada, não seja apenas ruim. Verdade que às vezes algumas pessoas acabavam aproveitando da sua confiança e predisposição a ver o bem em todos. Mas estas experiências difíceis tinham a vantagem de serem únicas e, no final das contas, bastante enriquecedoras. Aprendia muito sobre o outro e sobre si mesma. Tudo vale a pena se a alma não é pequena, entoava depois de muito chorar. O que mais poderia fazer? Não havia como se tornar outra pessoa. Estava condenada, como cada um de nós, a viver consigo mesma até o restante de seus dias.
Comentários
Consola-me suspeitar que esse "desajuste" seja apenas uma característica humana.