CHEIROS >> JANDER MINESSO
A Frida tem um bafo adorável. E não é ironia. Eu gosto mesmo do bafinho dela. O curioso é que, pelo meu histórico familiar, achei que jamais gostaria — do bafo e da Frida.
O cachorro é um prato cheio para os apreciadores de um bom mau cheiro. Eles trazem consigo uma miríade de pequenos fedores para você se deleitar: o futum da orelha; o bafo; o cangote; a remela que se acumula apesar dos seus esforços em limpá-la; e a catiça geral que a criatura exala depois de algumas semanas sem banho. E se você é do tipo que dá banho no seu cão toda semana para evitar o mau cheiro, você é uma pessoa ruim.
Desde o começo, minha relação com essa pilantra se desenvolveu na base do olfato. Tenho um “nariz danado” segundo minha mãe. Esse sentido aguçado me ajudou a perceber a merda que a Fridoca fez logo que chegou em casa: ela cagou no meio da cozinha, assim que entrou no apartamento. E por mais que seja um cheiro tenebroso, é anos-luz mais agradável do que a obra de muita gente que usa o banheiro da firma e não dá descarga. Sinto até um alívio quando algum aroma demi nauseabundo invade minhas narinas, mais ou menos no mesmo horário, todos os dias. É um sinal de que as coisas estão acontecendo como deveriam acontecer. A paz da rotina, sabe?
Mas se o cocô foi um problema breve, o xixi da Frida foi uma briga mais longa. Mesmo hoje, de vez em quando, ela erra a mira. Desenvolvi até um método para identificar o crime. Primeiro: se eu chamar e ela não vier, já fico alerta. O segundo sinal é um leve perfume de amônia valsando pelo ar. Entre sentir o cheiro e encontrar a poça em algum lugar impróprio é coisa de um minuto ou menos. Aí, toca secar o chão, limpar tudo e levar aquele ser até o lugar certo para ela relembrar onde é o banheiro.
Todas essas fragrâncias pouco agradáveis criaram uma rede de memórias afetivas em mim. Quando dei por conta, já estava enamorado pelo aroma pestilento que emanava da boca do monstrinho. Tem horas que eu fico atazanando só para ela brincar de me morder, escancarando aquela bocarra minúscula e bafejando na minha direção.
Quem não convive com algum animal deve estar me chamando de maluco, nojento ou coisa pior. Admito que pode ser um gosto adquirido, mas bicho tem cheiro de bicho. Inclusive, nós também não somos a criatura mais perfumada que existe. Vira e mexe, pego a cachorra com o focinho enfiado dentro de um dos meus tênis, ou cheirando uma meia usada como se fosse uma Rosa da Bulgária. E engana-se quem pensa que ela torce o nariz: a bichinha chega a lamber os beiços depois de uma bela cafungada. Penso até que pode ter virado um tipo de dependência química.
Seja como for, fico feliz de ter essa relação olfativa e afetiva com ela. Pode ser condenável do ponto de vista higiênico, mas é uma relação franca. E se me permitem, preciso encerrar por aqui. Acabei de sentir um cheirinho de amônia e, quando chamei, a Frida não veio. A paz da rotina.
Imagem: arquivo pessoal
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