A SALA REDONDA >> Ana Raja


Há alguns dias, participei de um bate-papo durante um encontro exclusivo para mulheres acima de 45 anos. De cara, a idade me chamou a atenção. Por que não 40? Tem uma explicação: aos 40 anos a pessoa ainda está perto da casa dos 30 e isso tem grande influência na compreensão dos pensamentos e necessidades das mulheres de quase 50. Mas a idade era o menos importante. O bacana do encontro foi a conversa profunda e sem filtros.

Foi minha primeira vez na sala redonda.

Não houve apresentação. Pouco importava quem você era. Nas duas hora e meia compartilhando meu tempo com elas, e elas comigo, não soube da profissão de cada uma, se eram casadas ou solteiras; se viviam com um companheiro ou uma companheira; quantos filhos tinham, pais, amigas de quem eram. Na sala redonda, essas informações não eram títulos, as palavras tinham muito valor e por elas conhecíamos a alma de cada mulher. Era possível enxergar, por meio dos relatos pessoais, a casca na qual se encontravam e não havia julgamento.

Você pode achar: ah, romantizou esse encontro. Não, se trata de algo diferente. A maioria de nós está acostumada a viver de acordo com as convenções. É surpreendente quando você abre o coração, a mente e os ouvidos para palavras não lapidadas, não decoradas de quinze mulheres se despindo do medo de compartilhar suas experiências, as boas e as ruins.

Compartilhava quem queria. Os assuntos? Desafios enfrentados por mulheres acima de 45 anos. A estrela do dia? A menopausa, acompanhada pela esperança da existência de vida, a partir desse momento de transformação, e pelas sequelas carregadas até o nosso fim. O tema provocou muitas risadas, calor e suor. 

E teve muito mais. Falamos sobre a espera da aposentadoria, de poder ficar de camisola o dia todo e andar descalça pela casa; viajar, estar mais próximas dos filhos e dos netos, não fazer nada ou começar aquele tudo agora. Outros desejos também vieram à tona: sumir no mundo, encontrar um amor, trocar de amor... ou de carro.  

Os perrengues de criar filhos e o alivio de não os ter. Às vezes, remorso por não ter insistido em uma gravidez, e, assim, caminhar pela vida com a sensação de faltar um pedaço de si e também do fracasso no avanço do progresso pessoal. Apesar de tudo, o que escutei tinha mais a ver com o realizado, não com o arrependimento. 

Não existe uma pauta dos assuntos e nem regras de conduta, muito menos censura nos palavrões (adorei!). Pensei que tal lugar não existisse, mas existe. Quase secreto. Não fosse o altíssimo som das vozes, desconfiaria ter me tornado parte de uma confraria sequestrada dos sonhos. 

Se manifestar era bem-vindo, mas os conselhos guardamos para nós mesmas. Durante os relatos das colegas, ouvi várias frases relevantes na sua variedade: “que merda, em que fria você entrou”. “mas é um babaca mesmo...não te merece”; “que chance espetacular você teve...seja feliz”; “é um inferno esse ressecamento vaginal...a sua médica pode prescrever um remedinho maravilhoso”; “nem sei o que faria no seu lugar”; “sentir frio na barriga não é coisa de adolescente...talvez ficar no beijo seja uma opção”; “quero ir com você no sex shop da próxima vez”. 

Algumas mulheres podem pensar que esse grupo tem facilidade de se expor, falar da vida, reclamar, estão todas unidas e carregam os mesmos desconfortos. E não deveria ser assim com todas? Não vivemos os mesmos desafios, ou ao menos parecidos? Por que nos envergonhar das nossas dúvidas? Por que a culpa ao falar sobre o amor que inflamou e pousou em outro lugar? Por que perguntar se o realizado e o sentido estão errados?

Nós mulheres temos tantas coisas para dizer. Lutamos e temos voz para todos os nossos arrebatamentos. Não é preciso defender qualquer ideia desesperadamente, basta ser quem você é e escolher caminhar com outras mulheres. É bonito ver o nosso fluxo de vida.  

Voltarei aos encontros de quinta da sala redonda. Tenho muito de todas as mulheres em mim e um bocado de mim em cada uma delas.

Compreendi o “a partir de 45”.


Imagem © Rosy / Bad Homburg / Germany, por Pixabay

anaraja.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
Seu texto me lembrou uma amiga. Sempre que perguntam o que ela faz, a resposta é: “das tripas, coração.” Que legal que vocês encontraram esse espaço para trocarem ideias sem todo o gesso que a gente coloca em volta de si, Ana!
É uma sala que todas as mulheres deveriam frequentar - se reconhecer no outro desce quente com sabor de chocolate.
Parabéns querida amiga!
Gaby Lessa disse…
Ana, sua crônica lança uma ideia maravilhosa para ser instituída. Seria ótimo participarmos de grupos como esse onde pudéssemos estar juntas e apoiarmos umas às outras. Falarmos das angústias, das novidades que o corpo nos apresenta, das dificuldades. Temos nos relacionado muito pelas redes sociais e por lá tudo aparece mascarado pelos filtros. A gente curte sem nos curtirmos. Amei seu texto!!!
Zoraya Cesar disse…
Ana, vc tinha razão, da minha parte simplesmente amei! Um lugar no tempo e espaço para mulheres se expandirem e se descascarem das inúmeras camadas que somos obrigadas a usar para que a sociedade nos aceite em seu convívio e possamos ter uma vida mais ou menos normal. Esse é o lugar para não surtar. Que ideia excelente! Continue, por favor, por todas nós, suas companheiras do crônica.
Soraya Jordão disse…
Amiga, querida, todas as mulheres precisam ler essa crônica para apaziguar a solidão dos desafios diários e todos os homens, para compreenderem, ao menos um pouco, o que é ser Mulher.
Carla Dias disse…
Um lugar seguro para conversas difíceis. É bom saber que existe, que são muitos e seu texto reforça a importância dessa conexão para o enfrentamento das situações difíceis enfrentadas pelas mulheres.

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