COACH >> Jander Minesso

 

Ser responsável pelas próprias escolhas é um negócio horroroso. Por isso, desde que o mundo é mundo, a esmagadora maioria dos seres humanos procura líderes para seguir. O líder te dá o conforto da resposta fácil pelo módico preço da sua liberdade de pensar. Uma pechincha.

Esse maravilhoso ramo dos negócios começou lá atrás, quando os humanos das cavernas ainda se juntavam ao redor da fogueira. Um contava histórias, o resto ouvia. Foi graças a esse narrador primitivo que surgiram a Ficção e a Cagação de Regra, disciplinas indispensáveis no currículo de um bom líder. Não demorou para que os ouvintes começassem a levar para o contador de causos todas as suas dúvidas existenciais: por que existem o dia e a noite? Quando a gente morre, acaba? Pode ou não pode comer maçã? O storyteller do neolítico gostou da brincadeira e nunca mais largou o osso. Ele tinha respostas para tudo, mesmo que fossem inventadas na hora. E assim, esse proto-cagador de regra logo virou o chefe do bando. Enquanto isso, o resto da galera batia ponto na savana de segunda a sexta e curtia feliz o fim de semana.

Logo os chefes de bando começaram a se aproveitar da situação. Misturando a Ficção com a Cagação de Regra em partes iguais, eles criaram um negócio chamado Religião: um manual de instruções compilando tudo o que podia e não podia ser feito. O pessoal adorou a praticidade. Com a criação dos manuais, era só ler um livrinho e seguir as orientações à risca para viver sem preocupações. De quebra, alguns livros ainda ofereciam uma vida extra – às vezes, eterna. Até o presente momento, não há dados concretos que atestem a veracidade de uma segunda vida, mas vamos admitir: a esperança aquece o coração de qualquer um.

Voltando aos livrinhos: você pode não acreditar, mas os chefes conseguiram melhorar o que já era bom. De contadores de histórias, eles viraram Sacerdotes. Um sacerdote era um manual de instruções feito de carne e osso e com saída de áudio. Ou seja: quem tivesse preguiça de ler o livro poderia procurar um sacerdote para ouvir da boca do dito cujo as regras da vida. E se alguma regra deixasse de valer, era só avisar o povo. Nada de erratas, edições revisadas, nada disso. Praticidade pura.

É claro que o negócio foi um sucesso. As religiões começaram a pipocar pelos quatro cantos da Terra (que ainda era plana à época). Politeístas, monoteístas, maniqueístas; tinha para todos os gostos. E foi nesse período de franca expansão que, em maior ou menor grau, os sacerdotes do mundo todo pensaram numa regra ótima: exigir pagamento dos seguidores. Um tipo de mecenato compulsório. Com essa grana, eles começaram a erguer prédios chamados de Templos, para facilitar a reunião das pessoas que não queriam pensar nos problemas da vida por conta própria. Até hoje, exemplos dessas construções majestosas podem ser encontradas no Oriente, no Ocidente e na Celso Garcia.

Infelizmente para alguns, uma religião contraditória começou a ganhar força com o tempo. O nome dessa religião era Ciência. Ela dava uma dor de cabeça danada, porque seus sacerdotes tinham a mania de ficar testando a veracidade de tudo. Hoje, ninguém mais acredita em ciência, mas houve um período da História em que a danada esteve super em voga. E para piorar, surgiu na esteira dela uma tal de Filosofia, que também não ajudou em nada. Teve até um filósofo bigodudo que afirmou que Deus estava morto. Desde o dia em que ele proferiu essa frase, as religiões não tiveram mais mamata. Era um tal de questionar regra daqui, exigir contraprova dali… foi um pesadelo. Resultado: boa parte das pessoas começaram a se sentir idiotas por seguirem regras inventadas, nas quais elas acreditavam só porque alguém disse que era para acreditar. E aí, o tradicional modelo de negócio das religiões começou a afundar.

Mas a crise não diminuiu a busca das pessoas por respostas fáceis. Pelo contrário: ela só criou uma demanda reprimida (e deprimida) cada vez maior. Esse momento crítico foi a aurora dos Coaches. E aqui, é importante frisar a diferença do coach de países anglófonos do coach brasileiro. O primeiro é um treinador de alguma área específica do conhecimento humano. O segundo, em geral, é uma criatura que usa sapatênis sem meia, calça social com lycra e jura que pode resolver todos os seus problemas. Ou seja: tirando deus a lycra, é a mesma coisa que o antigo sacerdote. Mas a desgraça é que, entre o sacerdote e o coach, criaram uma coisa terrível chamada Marketing. E depois, pioraram o que já era ruim, criando o Marketing Pessoal: a arte de você fingir ser o que não é.

Foi nesse lamaçal do conhecimento humano que o coach prosperou e se diversificou. Hoje, você encontra diversas subespécies soltas por aí. Tem o coach maori, que nasceu na Vila Mariana mas quer te ensinar a dançar o haka. Tem também o coach do instinto primitivo, que acha que tudo se resolve no grito. E não podemos esquecer do coach redpiller, que dispensa comentários. Esses e tantos outros seres de luz podem ser identificados pelas barbas bem cuidadas, o Patek Philippe parcelado em sessenta vezes e o supracitado sapatênis sem meia.

Estou sendo preconceituoso aqui? Claro. Talvez eu esteja falando de algo que conheço apenas superficialmente. Entendo tão pouco a cultura coach quanto a cultura maori – e olha que a segunda me interessa bastante. Não duvido que exista algum coach bom por aí (na verdade, duvido um pouquinho). Mas como todo mercado saturado, ele dá margem para muito enganador. Além disso, nós só procuramos respostas fáceis porque queremos evitar a dor da verdade mais antiga e incômoda da Humanidade: só nós podemos trilhar nosso caminho. O cara pode te falar mil maravilhas, sugerir que você tome um Campari, siga por aqui ou por ali. Só que, por mais que você tente se iludir, no fim das contas a decisão é sua. Você escolhe o rumo. E aí, eu te pergunto: tem certeza que você quer seguir na direção indicada por um barbudo que usa calça social com lycra e sapatênis sem meia?

Imagem: Pixabay

Comentários

Ana Raja disse…
E ainda colocam em risco a vida das pessoas em expedições sem nenhum planejamento. E os seguidores desses aproveitadores pagam caro por uma luz no fim do túnel.
Zoraya Cesar disse…
"E não podemos esquecer do coach redpiller, que dispensa comentários." ah, comenta, vai! kkkkk quero rir mais, nem q seja de nervoso kkkkk
“Ser responsável pelas próprias escolhas é um negócio horroroso”. Concordo plenamente com você Jander!! Como eu queria confiar o suficientemente num coach de sapatênis para colocas as grandes e difíceis decisões da minha vida em suas mãos. Tenho literalmente adoecido por causa da minha incapacidade de escolher… se ao menos eu acreditasse em pecado… mas não tem coach nem religião nem ciência que nos livre do horror do livre arbítrio…
Soraya Jordão disse…
ADOROOOO O HUMOR SALPICADO DE IRONIAS E VERDADES. EXCELENTE TEXTO.

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