A PRIMEIRA VEZ DELA >>>Nádia Coldebella

A primeira vez dela, sentada, sozinha, chorando. Talvez mamãe perceba. Era pequena. Nem sabia de primeira vez. Foi a primeira vez, também, que percebeu uma formiguinha carregando o que parecia ser um grão de arroz.


A primeira vez dela, de pé, no fim da tarde, olhando o mar. Talvez alguém perceba. Já era maior. Já sabia um pouco de primeira vez. Foi a primeira vez, também, que se sentiu pequenina, mas grata por seu coração ficar leve.

A primeira vez dela, cabeça baixa, rosto vermelho, brincando com os cabelos. Talvez ele perceba. Já tinha idade pra isso. Ainda não sabia dessa primeira vez. Foi a primeira vez, também, que se questionou se quem já era seria o suficiente.

A primeira vez dela, nua, corpo esticado na cama, se deixando ser tocada. Agora ela percebe. Já era uma mulher. Mas desconhecia essa primeira vez. Foi a primeira vez, também, que percebeu que muitos desejos são devaneios e ilusões.

A primeira vez dela, experimentando outras tantas, muitas vezes, tantas primeiras. Talvez ela perceba. Não sabia se tinha idade pra isso. Mas sabia sobre primeira vez. Foi a primeira vez, também, que percebeu, que, depois de tantas vezes, tinha se habituado.

As primeiras vezes dela tinham perdido o sabor. Foi a primeira vez dela sem saber que gosto o resto da vida tinha. 

Comentários

Carla Dias disse…
A primeira vez, não importa se relacionada a algo ou alguém, pode ser reveladora. Há muitas coisas que não merecem repetição, que deve morrer na primeira vez mesmo.
Jander Minesso disse…
Nááádia… que socão no estômago no final. Depois de uma série de levezas nos causos do seu pai, foi ainda mais impressionante ler algo tão singelo e forte ao mesmo tempo.
Ana Raja disse…
Nádia,que belo texto. Um retrato fiel da nossa caminhada. Vamos experimentando os sabores e os desabores que é viver!
Anônimo disse…
Não é a primeira vez que eu penso na vida como algo cheio dessas inaugurações, mas é sempre refrescante voltar a isso. Obrigado Nádia. André Ferrer aqui.
Zoraya Cesar disse…
que texto mais pungente e certeiro! qta dor e delicadeza num texto pra lá de bem amarrado! Lindo! E que tristeza a gente perceber q nossas primeiras vezes vão, aos poucos perdendo o sabor.
Albir disse…
É impressionante assistir como você passeia com desenvoltura por caminhos que vão do lirismo ao terror, passando pela crueza do cotidiano.
Não sei sobre o que vai escrever na semana que vem, mas sei que vou gostar.

Postagens mais visitadas