O SR. AMADAN, SEUS QUASE ASSISTENTES E, CLARO, O GATO MR. STEVENSON >> Zoraya Cesar



O Sr. Amadan, excelente feiticeiro de poções, estava, mais que o normal, atarantado. O Baile de Despedida das Fadas Azedas seria dali a duas semanas e ele estava assoberbado de encomendas por produtos de beleza, como cremes enverrugadores, loções para transformar barbas em verdadeiros (eu disse verdadeiros) ninhos de mafagarfos, sabonetes de feromônios de duendes. Uma loucura. Quando perdeu uma trufa de escaravelhos podres, decidiu. Precisava de um assistente. 


Mr. Stevenson semicerrou os olhos púrpura. Não, não precisava não, feiticeiro tonto. Precisava era trancar a gárgula-campainha dentro de casa para que ela parasse de sinalizar aos visitantes que o Sr. Amadan estava disponível. O gato sempre dava uma patinha, mostrando onde estavam os ingredientes que o Sr. Amadan perdia e, sendo o melhor gato de feiticeiro de poções da região, também o metia (e depois livrava) de várias trapalhadas. Mr. Stevenson não gostava de assistentes...

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Primeiro assistente – Regra nº 1 de sobrevivência

Não sei o que andam ensinando nas escolas técnicas para assistentes de feiticeiros de poções, mas regras fundamentais aparentemente não estão! 

Regra nº 1: nunca, nunca, nunca tome qualquer tipo de caldo com aparência comestível que encontre na casa de um feiticeiro de poções. Porque feiticeiros de poções nunca, nunca, nunca preparam sopas ou caldos para comer em sua própria casa. Eles sabem que seria grande a probabilidade de tomarem poções enfeitiçadas em vez de uma saborosa sopa de barbicha de bode com croutons de casca de baratinhas cascudas, por exemplo. 

Pois não é que o desavisado assistente, tendo, naturalmente, faltado àquela aula, ao encontrar o que parecia ser uma apetitosa sopa, tomou-a toda, com prazer, ignorando o olhar de reprovação de Mr. Stevenson. 

O efeito deletério veio rápido, como sói acontecer com extratos descondensados de Tremula tremelensis, ótimos para vampiros que, acometidos pela síndrome de agoranictofobia, apresentam tremores incontroláveis com a chegada da noite e ainda por cima não conseguem sair nem ficar a céu aberto. O que, convenhamos, não colabora para as atividades sociais e gastronômicas do pobre vampiro. Se, no entanto, você não é um vampiro…

O assistente, tão logo terminou o caldo que não era caldo, e muito menos comestível, viu os caninos crescerem até a altura dos cotovelos e as unhas virarem enormes garras cor de rosa. Até aí, tudo bem, o problema foi a coceira intensa que se espalhou por todo seu corpo, como formiguinhas assanhadas e nervosas. 

O Sr. Amadan, assim que voltou, remediou a situação rapidamente. Após a saída (sem volta, claro) do infaustoso assistente, o feiticeiro olhou feio para Mr. Stevenson. Custava ter dado logo o suco de pântano sulfuroso para o rapaz? 

Mr. Stevenson continuou a lamber a pata, num movimento elegante, sobejando indiferença. Custava o tal assistente ser menos esnobe e ter varrido os pelos encontrados no laboratório sem reclamar? 

O segundo assistente – Regras, pra que regras? 

Regra número 14: Se um feiticeiro de poções tem uma planta em casa, é bem provável que seja uma planta de maus bofes (todos sabem que, quanto mais pérfida a planta, melhores ingredientes produz). Não mexa, não se aproxime, não dê conversa, portanto.

Plantas-sereias são ardilosas. Com seu canto e beleza hipnotizam o desavisado, fazendo-o entrar em sono profundo. Daí, fazem com ele o que quiserem. Geralmente, envolvem e comem a vítima, que não esboça reclamações (que seriam, decerto, bastante fundamentadas).  

O assistente conseguiu fazer tudo errado: entrou no aposento, aproximou-se para ver melhor o caule amarelo iridescente e inclinou-se para ouvir os belos e delicados cantos emitidos pelas pétalas azul cobalto. Foi o que bastou. A partir dali, seria um escravo dócil da planta-sereia, que se preparou para o repasto que tão gentilmente se apresentara. Mr. Stevenson rosnou.

Quando o Sr. Amadan chegou da casa de um cliente, encontrou o rapaz silvando como uma chaleira histérica, nu, sobre o telhado, para escândalo algum dos vizinhos, acostumados às esquisitices que aconteciam na casa do feiticeiro. 

Desmesmerizar a vítima de uma planta-sereia era demorado. O feiticeiro deu um sonífero de papoula negra e pó de urtiga para que o imprudente assistente dormisse em silêncio até o efeito passar. 

E foi à procura de Mr. Stevenson, para uma conversa séria, de feiticeiro para gato. 


Encontrou-o tomando sol na varanda, desenhando formas sinuosas e elegantes com a cauda. Abriu apenas um dos olhos para o Sr. Amadan e voltou a cochilar. Afinal, ele impediu que aquele inútil servisse de refeição, não foi? O que mais o feiticeiro queria? Devia era agradecer-lhe. Um assistente que não coloca água para o gato e não sabe escapar de uma planta-sereia não presta pra nada. 

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Sr. Amadan desistiu de ter assistentes. Tinha mais trabalho e desassossego com eles que sozinho. Trancou a gárgula-campainha dentro de casa e concentrou-se nas encomendas. Ainda aquele dia D. Brumbulli pedira um unguento de pulga do deserto para empustular a pele, última moda entre as fêmeas da família Escaravajo.

Ah, vocês querem saber do Baile de Despedida das Fadas Azedas? No próximo capítulo eu conto os eventos emocionantes que provocaram o escandaloso açucaramento da Fada Mãe, o rapto da filha de D. Oleana Venenosensis e o misterioso sumiço de várias lagartixinhas que descansavam ao sol, entre outros. 

Outras aventuras do Sr. Amadan e do Gato Mr. Stevenson 

Siga o seu horóscopo - se você manda fazer o mapa astrológico, é bom acreditar nele. E alimentar o
gato. Não esqueça de alimentar o gato. 

Acredite em sua cartomante - cartomantes são pessoas muito sensíveis. E costumam fazer previsões de modo enigmático. Tenha certeza de ter entendido o recado.

O Sr. Amadan não vai a bailes. Ou vai? - Você pode ser o melhor feiticeiro das Poções, mas se for distraído, muita coisa pode dar errado. Menos para o gato. O gato Mr. Stevenson sempre se dá bem. 

O Feiticeiro Sr. Amadan e o Gato Mr. Stevenson recebem visitas - receber honrarias não era do feitio do Sr. Amadan, mas não teve jeito. O que ele não contava era que a vinda do assistente-mor do Prior do Convento dos Feiticeiros das Poções 

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Foto de gato lambendo a pata
https://www.maxpixel.net/Cat-Orange-Cleaning-Domestic-Paw-Animal-Tabby-2867711

Foto de gato ao sol
https://pxhere.com/en/photo/437512

Comentários

Nádia Coldebella disse…
Cara Lady, acho que as crônicas do Sr Amadan e do seu gatinho são aquele tipo de humor negro leve que a gente deve, obrigatoriamente, ensinar às crianças.
Acho que vc tem um livro infantil maravilhoso nas mãos.

Pense, nisso, minha cara Lady Killer. Vc pode ensinar a matar desde cedo... nada como deixar um legado!

bjkas!!
Marcio disse…
Se o feiticeiro-mestre já é esse desastre, imagine seus assistentes.
Aliás, com a reputação do Sr. Amadan, é de espantar que ele consiga qualquer candidato a aprendiz. Quem procura o estágio já demonstra que escolhe muito mal os seus mestres.
branco disse…
Bem-humorado, leve e cativante.
Lido entre risos, sorrisos e descobertas.
Anônimo disse…
Ainda bem que ainda não tinha jantado. Cada troço que essas bruxas gostam! E realmente está difícil achar um assistente que preste. Não podem ver nada que pedem e se bobear comem até a comida e a bebida do mestre! Hahaha...
sergio geia disse…
Que Sr. Amadan, que nada! Show é Mr. Stevenson! Virei fã.
Albir disse…
Eu não quero saber do baile de despedida das fadas azedas. Eu queria que não houvesse fadas azedas. Mas o que posso fazer? Não escrevo essas histórias, eu as sofro!
Ah, o melhor assistente de todos, ele já tem KKK... A gente precisa tomar cuidado com quem contrata, né?
Érica disse…
Acho divertidíssimas as crônicas do Sr. Amadam. Precisam virar um livro, urgentemente! Ou uma série deles rs

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