Anabela >> Alfonsina Salomão

        

Em meio aos convidados da festa de casamento, Leandro se destacava. Ali todos eram jovens, bonitos e cheios de vida, mas ele sobressaía, com seu traje original, seus óculos de lentes laranjas, seu sorriso desavergonhado e seguro de si. “Nada a ver comigo”, pensou Anabela, que observava a algazarra de longe, uma taça de champanhe na mão para disfarçar a solidão.   

         Não que fosse feia, longe disso. Era esbelta, bem proporcionada, os cabelos morenos caíam-lhe sobre os ombros com suavidade. Mas era observadora demais para agir naturalmente. Seu senso crítico deixava pouco lugar para a espontaneidade. No seu canto, Anabela refletia sobre a fragilidade das relações sociais e o ridículo dos ritos de passagem. Ela olhava com desdém os sorrisos embriagados e as gargalhadas vazias dos outros convidados.

     Apesar da severidade dos seus pensamentos, ou talvez por causa deles, Anabela sentiu-se estranhamento atraída pelo personagem mais despachado de todos. Não conseguia tirar os olhos de Leandro. Sua mente dizia que ele era burlesco, sua carne ansiava pelo contato físico. Quanto mais bebia a champanhe, mais seus pensamentos abriam espaço para cenas onde Leandro revelava toda sua animalidade.

Lá pelas tantas, Leandro a abordou. Chegou fazendo graça, executou duas piruetas e lançou-lhe um olhar maroto que não deixava dúvidas: ele se sabia irresistível! Anabela sentiu-se ofendida pela atitude espalhafatosa, mas não ofereceu nenhuma resistência ao beijo. Quando amanheceu no quarto do rapaz, quis sair dali rapidamente, salvar o pouco de dignidade que lhe restava.

Vestiu-se, calçou os sapatos e abriu a porta, sem acordá-lo nem deixar recado. Não queria dar a entender que esperava mais do quê aquilo. Certo, a noite tinha sido boa, muito boa. Nunca tinha se sentido tão à vontade. Fizera coisas que jamais cogitara e experimentava um prazer impudico ao rememorar o que acabara de viver. Mais um motivo para sumir. Um homem como Leandro jamais se acomodaria com uma garota como ela. Mais valia se desapegar antes que fosse tarde demais.

Chegando em casa, comprou uma passagem para São Paulo. Tinha uma amiga que morava lá e sempre a chamava para visitar. Iria aos museus, ao cinema, de repente até aproveitaria para conhecer a universidade e se informar sobre os cursos de pós-graduação. Sobretudo, distrairia sua mente, afastaria o risco de ficar sentada à janela sonhando com um telefonema que jamais viria.

Estava se felicitando pela sua atitude quando o celular tocou. Era Leandro. Tinha conseguido seu telefone com um amigo em comum. O rapaz demonstrou surpresa quando Anabela disse que estava na estrada, sozinha, rumo à São Paulo: “- Não sabia que você era tão independente”. Ao ouvir estas palavras, ela soube: agora sim, estava tudo perdido.

Comentários

Paulo Barguil disse…
Que teatro maravilhoso é a vida, onde cada pessoa escreve, dirige e atua. Ou, pelo menos, acredita-se nisso! Opostos que se atraem para mostrar o que podemos ser. Queremos, mesmo, mudar? A crônica de cada um de nós, Alfonsina. :-)
Carla Dias disse…
As mulheres de Alfonsina. Que personagens que se encaixam em tantas pessoas que conheço. Em muito, em mim. Muito bacana!
Albir disse…
Sua escrita fluida dá vontade ler mais. Um recorte breve, sem grandes acontecimentos, mas com riqueza melódica.

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