O MARTELO DO BEM - Quinta parte >> Albir José Inácio da Silva


(Continuação de 07/10/2019)

Mas a gota d’água veio quando ela confirmou um escândalo que antes considerava fofoca. Viu Padre Antônio agarrado numa sirigaita, que também não saía da Igreja e trazia tanto lanche que ele já estava barrigudo. Isso já era demais.

Penha abandonou aquele sacerdote de Belzebu e foi pro Rio de Janeiro.

Ficou na casa da Tia Rute, religiosa de conduta exemplar e discurso inflamado que já a encantava antes, quando ainda era fiel a Padre Antônio. Passou lá um mês indo à igreja três vezes por dia. Fez jejum, subiu no monte, teve revelações e sonhos. Fez promessas e assumiu compromissos.

Voltou à cidadezinha disposta a resgatar as almas que chafurdavam no pecado sob o olhar complacente daquele padre que, agora sabia, estava a serviço do mal. Com improviso e fé, no galpão onde antes Zé Maria guardava suas ferramentas de hortelão, fundou a Nova Cruzada - uma franquia humilde da catedral de vidro fumê e aço escovado que ela conheceu na Capital.

A matriz forneceu impressos, relíquias, água do Rio Jordão e azeite das oliveiras de Israel. A Nova Cruzada receberia, ainda, nos meses seguintes, visitas de alguns doentes e endemoninhados para serem curados à vista dos fiéis e alavancar os negócios.

Em contrapartida Penha devolveria pra sede parte do arrecadado com os fiéis. Tudo por contrato verbal, desnecessários que são os cartórios quando os acordos são chancelados pela fé.

Por humildade e modéstia, qualidades de que se orgulhava, a líder pediu para ser chamada apenas de Irmã Penha, uma vez que não tinha feito ainda curso de pastora.

Um dos primeiros a se juntarem à cruzada contra o pecado foi o Sargento Donizete. Responsável pelo Posto Policial, ele via nas pregações duras de Irmã Penha o embasamento teórico e a organização de seus próprios pensamentos. Sempre achou que crime e pecado eram a mesma coisa, e que sem combater o pecado não se conserta a sociedade.

Como fiéis escudeiros, Penha contava também com os três Josés, antes chamados de trio assombro e que ela dizia ser o seu trio ternura:  Zé Antônio, Zé Pedro e Zé João. Não eram irmãos de sangue, mas foram criados juntos. Criados, não, segundo vizinhos do rancho em que cresceram, foram alimentados e humilhados, mas isso é outra história.

A verdade é que a reverenda salvou-lhes a vida e eles se tornaram fiéis, devotos, dispostos a morrer por ela se fosse preciso.

Sargento Donizete, os três irmãos e mais sete pessoas formaram a nova igreja que não parou mais de crescer. Em dois anos eram mais de trinta pessoas.  

E era com esse exército que Irmã Penha contava para combater o pecado que agora chegava na cidade, acintosamente, cheio de saias, colares, pulseiras e ousadias. Ali havia jovens e pessoas de mente fraca e pouca fé que seriam facilmente tragados pelas artimanhas do inimigo.

Penha pressentia que estava chegando o momento de mais uma batalha entre o bem e o mal. Só que dessa vez, diferentemente do que aconteceu na sua adolescência, estava preparada.
                                                                                
                                                                                    ***

No armazém Déti e Margô compraram muita coisa, o que deixou a dona e os empregados especialmente atenciosos. Conversaram sobre a cidade, o povo, as festas e os problemas locais. Falaram de seus planos de uma horta orgânica porque crescia a procura por esses produtos.

O desejo de uma nova vida não abandonava aquelas duas mesmo com as caras nem sempre tão simpáticas. Não vieram tão longe pra desistir aos primeiros contratempos.

- Pra que tanta vela? Vocês estão sem luz?

-- Não. É que nós usamos velas também para orações e oferendas.

Pela janela viram na praça uma faixa que anunciava a “Festa da Roça”. O caixeiro explicou que antes era a festa dos santos, Antônio, Pedro e João. Mas por pressão da Irmã Penha e do Sargento Donizete, o nome foi mudado.

- Irmã Penha não acredita mais em santos e é uma mulher muito poderosa.

A conversa ia animada, enquanto as compras eram separadas e embrulhadas, com direito a cafezinho e sorrisos.  Até que chegou uma freguesa com uma adolescente de uniforme. Antes de cumprimentar, a mulher perguntou:

- Foi vocês que atropelaram o Sabugo?

(Continua em 15 dias)

Comentários

Carla Dias disse…
Albir, eu tinha lido a primeira parte. Fiquei ansiosa e fui esperando a última, mas hoje não me contive e reli a primeira e as outras quatro. Estou numa curiosidade daquelas pra saber o que a religiosidade desgovernada vai fazer com o afeto genuíno. Sem contar que, como acontece na vida, tudo pode murar. Ah, os pontos de virada...
branco disse…
como se não bastasse começar (primeira parte) de maneira insuperável, que contradição, você se supera a cada "episódio". aguardo cenas do próximo episódio com apenas uma certeza, tá bão dimais !!!!!!!
Zoraya Cesar disse…
"Por humildade e modéstia, qualidades de que se orgulhava,"hahahah, Albir, isso ficou ótimo! Prevejo muitos embates e emoções. Até te perdoo por nos deixar, mais uma vez, em suspenso!! Beijos
Albir disse…
Obrigado, Carla, Branco e Zoraya pelo carinho da leitura!

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