apenas uma questão de rotina - parte II >>> branco


ato IV

para os que não voltaram

ele saiu de casa antes do alvorecer
levando consigo
sua alegria e esperanças
o resultado do jogo de domingo
e outras coisas que não podia entender
tão longe da felicidade
- e sem saber -
tão próximo do descanso
encontrou-se com outros
- como ele -
que saíram de seus lares
- ao encontro do destino - 
antes do alvorecer

qual o pecado cometido
para viver dessa forma
- com seu uniforme azul
botas e capacete de segurança - 
construindo casas - lares ? - 
para outras pessoas diferentes dele
aquelas que sentam-se nos tronos da prepotência

rostos cobertos de pó e cimento
 esculturas de concreto
cada um se sabe sozinho
apesar de terem o mesmo sonho
e do resultado do jogo de domingo

sonham no voltar
e nas palavras que serão ditas
- o entendimento será perfeito -
que suas mulheres terão rostos felizes
- e não o de guerreiras
sofridas
cansadas -
e do sorriso dos filhos
também felizes
- e não famintos
doentes 
escusos -
e que esta chama esperançosa
transforme-se em realidade

ele saiu de casa antes do alvorecer
levando sua fraqueza e cansaço
e também a resignação indignada
mas pensamentos são apenas vontades
soterradas por um desmoronamento
- as 15h34 - 
sob o concreto
sonhos alegrias  resultado do jogo fraquezas e cansaço
uma sirene avisa
ele não voltará para a casa
após o entardecer



foto Sonnie

publicado originalmente no livro poemas de gaveta 

©2018 do autor







Comentários

Carlos Eduardo disse…
Li, reli e ainda estou pensativo. É uma tragédia o que você descreve, mas ainda não é o clímax, a verdadeira tragédia. relendo me pareceu um conformismo que precede toda explosão. Aguardando a parte 3 ansiosamente.
Anônimo disse…
Grande Branco! Nada melhor que começar uma semana com mais um belo texto seu. Parabéns, o final é forte o bastante para nos fazer pensar. Um abraço!
Alessandra Calil disse…
Profundo e ao mesmo tempo a realidade.
Adoro suas postagens.
Salete Ortiz disse…
Linda crônica, porém mto triste...meu coração ardeu...
Fred Fogaça disse…
Grande branco! Relato em detalhes dessa realidade triste.
Ana Paula disse…
Lindo. Eu li e fui entrando na crônica.
Márcia disse…
A vida num piscar de olhos. Dura realidade. Verdadeira e triste
Vera Tuan disse…
Lindo, real e triste.
Anônimo disse…
É o dia a dia daquele que não é dono do seu destino, mas quem o é?
Parabéns.
Anônimo disse…
Profundo, triste realidade, belo.
Anônimo disse…
Triste, porém uma linda crônica !
Daniela Lara disse…
Se não tomarmos cuidado, podemos ser, aos pouquinhos, sorrateiramente, soterrados. Apenas uma questão de rotina...
Zoraya Cesar disse…
Que triste, Branco, que parece mesmo que o teto caiu sobre nós, soterrando todo mundo nessa tristeza profunda que você delicadamente teceu. É sempre um choque nos darmos conta da efemeridade da vida. Eu não devia ter lido à noite. Agora vou ficar acordada, pensando, pensando... (pensando, tb, me perguntando como vc consegue essa leveza e beleza mesmo quando fala do concreto que cai sobre nossa vida?)
Albir disse…
Prosseguem as tragédias, prosseguimos vítimas. Ainda bem que existe a poesia!

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