CABO DE GUERRA >> Clara Braga

A criança nem nasce e já começa a ser repartida. Didaticamente falando, claro! Nas primeiras horas de vida já conseguem definir: é a cara do pai. Mas recém-nascido muda de um dia para o outro. Na hora que nasce está com a cabeça toda alongada por causa do parto, a cara toda amassadinha, e no dia seguinte já está completamente diferente. Então uma nova avaliação é feita: os olhos são do pai, o nariz da mãe.

Esse ritual de identificação é normal, algo relacionado com a sensação de pertencimento talvez, criação de uma identidade, não sei, só sei que é normal! Quem nunca olhou um bebê e disse: esse parece com fulano? E o ritual vai crescendo bem como a criança. A princípio parece só com o pai ou com a mãe, depois vão descobrindo o resto da árvore genealógica. O olho da avó, o nariz da bisavó, o pé do tataravô, a dobra do pescoço do lado direito logo abaixo do queixo é do avô. O dedo mindinho do pé direito tem a unha que lembra a do tio avô do primo do tio do pai do avô. O filho da cunhada da esposa do irmão do seu marido tem um filho que nasceu com o cabelo igual ao do seu filho, será possível? Acho que não, posso estar errada mas acho que a cunhada da esposa não entra na árvore genealógica.

E claro que essa mania não é exclusividade dos parentes ou amigos, os próprios pais também observam os filhos com olhos maravilhados e se buscam neles. A diferença é que os pais não querem dividir com mais ninguém, parece com um ou com outro. Eu mesma tenho certeza que meu filho é a minha cara, embora todos digam o contrário.

Enfim, o processo de identificação é longo, mas pelo que ando observando ele tem um fim. Observo os filhos das minhas amigas, já mais velhos, com 2 ou 3 anos de idade e, nessa fase, já ouvi alguns comentários como: nossa, como você faz birra hei, isso deve ser coisa do seu pai, pois sua mãe não fazia isso quando tinha sua idade. Claro que quem faz esse comentário é sempre a avó materna. Se fosse a avó paterna seria algo como: esse cabelo despenteado é estilo novo é? Quando seu pai era menor eu adorava pentear o cabelo dele, ele só passeava bem arrumadinho.

Antes achava esses comentários super maldosos, ficava parecendo que as pessoas só se identificavam com a criança enquanto ela era tão pequena que não conseguia desagradar nem os mais exigentes. Hoje já vejo com outros olhos, embora ainda seja contra, acho que está nesse momento a chance da criança encontrar um pedacinho dela mesma para chamar de sua e, quem sabe, quando crescer mais um pouco, ter a chance de tentar ser autêntica. 

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