LINDA ROSA, KIARI, GADÚ >> Sergio Geia
Suave, ela me encanta; e me encantou desde logo. Na
primeira vez, pensei: “roupa nova, canção velha.” O mesmo pensamento do Juarez,
de Manaus, que disse: “Letra encaixada, requintes de poesia das antigas.”
Contralto (ou mezzo?), a voz de Gadú amplifica o poder da
poesia, e Linda Rosa me encanta: “Pior que o melhor de dois / Melhor do que
sofrer depois / Se é isso que me tem ao certo / A moça de sorriso aberto /
Ingênua de vestido assusta / afasta-me do ego imposto / ouvinte claro, brilho
no rosto / abandonada por falta de gosto”, e não me deixa dormir.
Acordo no meio da noite e fico a cantar. Não cantar
assim, cantando, cantando, soltando a voz; a música, essa poderosa magia, ela é
que canta em mim. E não para. Termina, recomeça, termina, recomeça, cantando e
me encantando, me subtraindo o sono, a voz da Gadú.
Num show, ladeando Leandro Leo, sorridente, linda (eu
nunca a vi mais linda), feliz, ela empresta sua voz, traduzindo essa delícia: “Escolha
feita inconsciente / De coração não mais roubado / Homem feliz, mulher carente /
A linda rosa perdeu pro cravo”, eu sem compreensão, sem entender o
intraduzível, a letra encaixada, a poesia, extasiado de tanta beleza, quase
choro de alegria.
Nossa!
Respira, penso. Respira.
Mas afinal de contas, Gadú, o que passas com Linda Rosa?
Por partes. A música não é das antigas com roupagem nova,
é nova mesmo. Quer dizer, talvez não tão nova assim, mas não das antigas, entende?
Também não é da Gadú, nem do Tim Maia, como vi num comentário outro dia. É do
Luis Kiari. Sim, Luis Kiari. Não conhece? Nem eu. Não conhecia. O moço tem
músicas lindíssimas. “Escravo, meu amor, é o coração, que bate por bater. Sem
ter algum amor como razão. (...) Devolve o que é teu, e volte a teu lugar. És
livre para amar, és livre para sonhar...”, coisa fina, não? Que habilidade
para brincar com as palavras e falar do amor. Está em “Teu lugar”. Depressa,
mando comprar seu CD “Três”.
As composições do Kiari são delicadas, exploram as
diversas vertentes da vida humana com doçura, elas vão comendo você pelas
beiradas. Letras misteriosas, canções que pedem busca faminta, desejo
insaciável. E são níveis de compreensão; diversos. E músicas que falam de amor,
poesia elegante, gigante, doce. Assim são: “A bailarina”, “Quando fui chuva”, “Ainda
cedo”, “Dentro de mim” (linda, linda, linda). Você precisa estar com fome,
acarinhá-la como você acarinha um amor, desnudá-la, despi-la, deixá-la limpa,
quente, penetrá-la mansamente, entrar no seu mundo.
Kiari é um talento só. E não só. Tem o Caio Sóh, a Maria
Gadú, o Gugu Peixoto, o Áureo Gandur, o Tomaz Lenz, o Pedro Barnez, o Fred
Sommer e o Leandro Léo, trupe conhecida como “Varandistas”: uma turma de amigos
que se reunia num apartamento no Recreio, no Rio, para cantar, beber, jogar
conversa fora, espantar a solidão. Desses encontros saíram preciosidades,
talvez, Linda Rosa.
Entendê-la pode não ser uma tarefa das mais fáceis.
Esperei o próprio autor numa entrevista longuíssima para uma tevê de Campina
Grande, pôr a pá de cal. Não pôs. Nada. Nem falou nem lhe foi perguntado. Já vi
na web muita gente falando coisas, um
montão de coisas, que é uma canção lésbica, por exemplo. Será? Pois pra mim ela
fala de uma garota de programa (prostituta ou puta são tão pesados que me
recuso). Foi Julio quem me alertou. Concordei na hora.
Só você, Kiari, pode dizer qual a verdade escondida em
Linda Rosa. O que o levou a talhar essa lindeza, qual foi a sua inspiração, no
que estava pensando?
Sei que você não vai falar, muito menos ler essa crônica
vai (ela não está na Folha, Estadão, O Globo, já imaginou?). Satisfaço-me então
com a minha, só minha, (ah, do Julio, claro) interpretação.
Sim, sim, uma garota de programa, linda, uma rosa perfumada,
sensual, charmosa, de coração escravo, que só bate por bater.
Quando ouço Linda Rosa, eu penso nela, assim...
P.S.: Os autores de Linda Rosa são Luis Kiari e Gugu
Peixoto
Comentários
Bela poesia! Não ouvi, mas a melodia deve ser, também, bela.
Como tudo o que você escreve.
Sabe. Gostei do seu ponto de vista, mas a princípio pensei q pudesse se tratar de uma relação sufocante, onde a mulher sofre violência doméstica, pela alusão q é feita a cantiga do cravo e a rosa, onde os dois brigam e na musica da Gadu, " a linda rosa perdeu pro cravo".