UM VISITANTE INESPERADO NA FESTA DE NATAL DO VELHO PADRE >> Zoraya Cesar
Comecemos pelo quintal – Uma acácia (contemporânea, diziam, daquela que servira para fazer a Arca de Noé), uma mangueira, um carvalho mais antigo que o céu e incontáveis pés de lavanda e alecrim. Não esqueçamos do lago, também, quase uma poça em sua pequenez, mas cujas águas já refrescaram muitos pés cansados. E, por fim, o caramanchão, coberto de maracujás. Sem falar dos pássaros. Assim era o quintal escondido na parte de trás de uma igreja.
Debaixo do caramanchão havia um Presépio. Bom, ao menos, essa era a idéia. Uma cadeira cheia de almofadas macias, um berço e um banco rústicos, todos de madeira, feitos e entalhados à mão. Mas, onde as pessoas que deveriam estar a completar o Presépio?
Um instante. Primeiro, vamos ao anfitrião (ou anfitriões, que não estou para me indispor com o gato preto) – Vestia a batina de linho preto que só usava em ocasiões especiais, calçava sandálias franciscanas e trazia um sorriso que iluminaria a mais negra escuridão.
Sua idade era imprecisa; seu tempo de vida sobre a Terra não poderia ser contado em anos. Era velho, sim bastante, até - as inúmeras rugas cinzeladas em seu rosto não deixando dúvidas quanto a isso.
Sua idade era imprecisa; seu tempo de vida sobre a Terra não poderia ser contado em anos. Era velho, sim bastante, até - as inúmeras rugas cinzeladas em seu rosto não deixando dúvidas quanto a isso.
A seus pés, acompanhava-o um enorme gato preto de olhar protetor. E que ouvia pacientemente, pela enésima vez, o Velho Padre dizer o quanto adorava festas de aniversário.
Os convidados, ah, os convidados – sendo, todos, amigos de longa data (e, quando eu digo “longa data”, por favor, levem ao pé da letra), estavam à vontade, como em suas próprias casas.
Marta e Lourenço cuidavam que ninguém ficasse sem comer ou beber por muito tempo. Antonio ajudava Pedro a encontrar uma chave. Cecília tocava harpa, Anjos cantavam em coro com os pássaros. Pequenos Querubins batiam suas asas douradas em torno dos convidados, para afastar o calor. Maria, Mônica e Benedito brincavam com o Menino. José, sentado ao chão, comia lentilhas e arroz (não me perguntem se tinha passas, não vi), ouvindo Cristóvão relatar suas aventuras de andarilho. Brás e Luzia trocavam receitas para os males dos olhos e da garganta. Sebastião dormitava à sombra da acácia. O Velho Padre conversava filosofias com Teresinha das Rosas. Diversos outros se espalhavam pelo quintal, numa mistura de bençãos, milagres, cores.
Tudo era paz, alegria e amor.
Pouco depois da meia-noite, porém, algo na delicada dimensão do tempo e espaço foi rompido, repentinamente. Todos silenciaram, entreolhando-se, espantados. Somente o gato, os pelos eriçados,
miava, enfurecido e estridente.
Algo provocou um distúrbio na corrente do tempo e espaço: um visitante inesperado. |
Alguém bateu palmas ao portão.
Se já não tivesse visto e vivido tanta coisa, o Velho Padre não teria acreditado. Mas ele sabia de quem se tratava.
Levantou-se e foi atender.
O convidado inesperado – um homem alto, de beleza indescritível, esperava junto ao portão. Emanava uma força extraordinária e atemorizadora. Imponente que fosse, no entanto, o visitante era educado. Cumprimentou o Velho Padre gentilmente e falou, a voz profunda e melodiosa:
- Sei que não fui convidado. Não espero ser bem-vindo e peço desculpas por interromper. Mas estou cansado. Muito cansado. E, nessa noite, gostaria de um pouso. Um lugar para descansar. Um lugar para não ser encontrado.
O Velho Padre respeitava o poder do visitante, mas não o temia. Não depois de tantos anos e vidas. Ademais, os outros convidados também eram poderosos. E, por fim, desde quando ele, o Velho Padre, recusava pouso a quem lhe pedia?
Sorriu. Afastou-se para o recém-chegado passar.
A entrada da Estrela da Manhã (pois não era outro o visitante) - não causou qualquer constrangimento aos presentes, alegro-me em dizer. Logo alguém colocou em suas mãos um prato de salada de castanhas, que ele comeu sentado à beira do lago, as pernas mergulhadas na água fria. Depois, recostou-se, suspirou e fechou os olhos, descansando como não fazia desde o início dos tempos.
Ao acordar, viu que Miguel lhe oferecia um sorvete - estava muito quente aquela noite. Encetaram uma conversa amena sobre as coisas de um outro mundo, e deve ter sido interessante, pois, em diversos momentos, sorriram. De vez em quando, o visitante acenava com as mãos, fazendo soprar uma brisa fresca e suave e espalhando, no ar, cintilantes e pequeninas estrelas, embelezando ainda mais o ambiente. O único que parecia desassossegado era o gato preto. Conhecia Estrela da Manhã há mais vidas do que poderia contar. A humanidade os associara tempo demais e isso não lhe trazia, absolutamente, boas lembranças.
Tudo continuava em paz, alegria, amor.
Tudo continuava em paz, alegria, amor.
Ouviu-se, então, o primeiro cantar do galo. O inusitado convidado respirou fundo, e, levantando-se, apertou a mão do Velho Padre, revelando que, em agradecimento à acolhida, enquanto estivera ali nenhum mal ocorrera no mundo.
Ao segundo cantar do galo, virou-se para Maria, José e o Menino, curvando-se profunda e respeitosamente.
Ao terceiro cantar, ele abriu gigantescas asas prateadas e desapareceu, voltando ao mundo que tentava conquistar desde sempre.
A festa continuou normalmente, como se fosse muito natural que o Portador da Luz procurasse abrigo entre Santos, Anjos e a Sagrada Família para descansar e confraternizar em paz.
O Velho Padre sentou, acariciando o gato, pensando que, realmente, não há nada tão emocionante quanto festas de aniversário. E que o Natal era, mesmo, uma data afeita ao extraordinário.
Outras histórias de Natal do Velho Padre e do gato preto
Que o Espírito de Natal permaneça em
suas vidas por todo o ano de 2018, trazendo momentos extraordinários e
abençoados. Que todos tenham uma vida por inteiro!
São
os votos do Velho Padre, do gato preto... e os meus!
E obrigada
pela leitura e comentários, compartilhamentos, por tudo!
Fotos:
Flor de Maracujá: pace52 on Pixabay
Maracujá: disoniador on Pixabay
Distúrbio espaço-temporal:Tobias Polinder on Unsplash
Comentários
Beijão.
O Velho Padre sempre nos traz bons momentos nessa época do ano.
E a Zoraya traz bons momentos a cada duas semanas.
Gostaria de comentar tão bem quanto o Alexandre Durão. Se eu escrevesse bem, teria me expressado de maneira semelhante à dele.
Feliz 2018!