CABOU!>>Analu Faria
Cabou o ano. Cabou a seca e a chuva. Cabou o relento, cabou a luva e a mão, cabou imagem, cabou som, cabou luz. Cabou escuridão. Cabou a cruz. Cabou medo de falar, cabou sonho, cabou medo medonho da morte, cabou a sorte, cabou caminho. Cabou O Caminho. Cabou tudo o que eu senti e cabou tudo
o que eu comi (cabou os dois chupados pela pele da terra ou puxado pela boca do
céu).
Depois disso cabou amor e cabou desamor também (ainda bem!).
Cabou chorare, cabou cara manchada, cabou cama desarrumada. Cabou medo do silêncio e
de repente cabou o antes e o depois (pra mais tarde voltar do mesmo jeito os
dois). Cabou a barba dum e a barba doutro. E eu não entendo, mas cabou solidão.
Nesse mesmo tempo, cabou briga e cabou aquela velha distância. Cabou a ânsia de
que nunca ia se resolver aquela rinha. Cabou mulherzinha, cabou implicância, cabou aquela pose
de rainha.
E ainda, no fim, cabou o suor da lida, cabou um livro (cabou
a vida!). Num susto, cabou a confiança
na eterna presença e aí... ah, aí cabou o sono muitas e muitas vezes, foi
preciso um par de meses para cabar o medo e a falta de fé. Cabou depois dor no pé
e no gogó. Cabou também o dó. Cabou fraqueza e cabou vestígio da pena, cabou ser pequena, cabou o prestígio do sim. Às vezes cabou alegria (é muita sangria que a gente aguenta), cabou cetim, carmim, festim, mas a gente, no fim, não se apoquenta.
Cabou tudo, cabou o mundo, para começar sempre de novo, num ano ainda dentro do ovo, esperando o segundo de abrir.
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