A NINFA - Parte I >> Zoraya Cesar

Entrou no sítio sentindo-se como Júlio Cesar na Gália. Imponente, arrogante, vitorioso. Mesmo não tendo, é certo, a grandeza do nobre imperador. Nada tinha, aliás, de honrado.

Ao contrário do avô – homem íntegro ao extremo. Avô esse que nunca o suportara, antevendo e pressentindo a natureza malévola do moleque doce e quieto que todos achavam tão engraçadinho. Após a morte do avô, o neto, fiel à sua natureza, conseguiu, por falcatruas inomináveis, passar a família para trás e herdar-lhe o bem mais precioso. 

O sítio. 

Que valia muito dinheiro, sem dúvida. Ninguém, porém, pensaria em desfazer-se daquele lugar sagrado, distante do mundo, do qual o avô cuidara com as próprias mãos, um sítio que estava na família há gerações. 

E ele? Pretendia vendê-lo? Talvez, depois. Naquele momento, só queria sentir em suas veias, qual lava incandescente, o fervor da vingança, destruindo pelas próprias mãos tudo o que o avô construíra e o resto da família amava. 

Vocês, que são pessoas boas, talvez estranhem sentimento tão torpe, e desejo tão sórdido, mas assim é a natureza humana, não se enganem. 

Havia quem se apaixonasse pelo sítio à primeira vista, caindo de amores pelo enorme bosque, de árvores frutíferas e outras, nativas, de madeira nobre, centenárias, raras. Era sombrio e úmido, o bosque, intenso em seu verdor, em seu cheiro de seiva, em seus sons misteriosos. 

À entrada do bosque, descansava um pequeno lago, de águas escuras e profundas, como os olhos de um cigano. Manacás de cheiro e damas da noite inebriavam os sentidos de quem sentasse às suas margens (mais de uma pessoa relatara experiências místicas ao restar ali por muito tempo). Você poderia passar o dia ali, sentindo a brisa roçando na penugem de seu corpo, como se mínimas asas de borboleta esvoaçassem em sua pele; ouvindo a conversa melodiosa, às vezes, estridente, dos pássaros. Ao anoitecer, você veria, já completamente embriagado pelas maravilhas do dia, a luz dos pirilampos brilhando como estrelas felizes ao seu redor, enquanto o pio da coruja anunciava aos animais noturnos que era hora da caça. Sapos coaxavam harmoniosamente, como se orientados por um maestro invisível, acompanhados por insetos incontáveis. Você poderia, sim, passar o dia ali, conversando com sua Alma (você, talvez; o neto, nunca).

O Aspen, a árvore trêmula,
assombrada por
 medos inexplicáveis
Ou, talvez, você preferisse aventurar-se a entrar no bosque? Perder-se entre as árvores, comover-se com a insistência dos cogumelos orelhas de pau em demonstrar que um tronco morto é um berço de vida, e que nada, na natureza, é desperdiçado. Sentir o cheiro de húmus, penetrante, pungente, quase uma presença física. Você poderia passar ali uma vida, sem conhecer todos os meandros do lugar. 

A casa era um primor à parte. Essencial. Simples. Aconchegante. Toda em pedra, tijolo e madeira, recoberta por trepadeiras que floriam glicínias e buganvílias. Havia grandes janelas em cada parede, de forma que nunca se perdia de vista o lago, o bosque ou o jardim, onde aspens trêmulos
sussurravam seus medos às rosas e girassóis que cresciam ao seu lado.

Se pudéssemos definir aquele lugar mágico, belo, envolvente em uma, e apenas uma, palavra, seria ‘encantador’. 

Uma pessoa, porém nada via naquilo tudo que não um estorvo. Detestou cada milímetro de terra, cada folha caída, cada tronco de árvore, cada canto de pássaro, cada lufada de vento, cada tamborilar de chuva no telhado. Detestou, principalmente, a árvore que ficava de frente para o quarto. A primeira coisa que via ao acordar era o enorme tronco, antigo, alquebrado, a casca rugosa e áspera. Não havia folhas em seus galhos ressequidos, que se estendiam para o céu como se gritassem um último pedido desesperado de socorro. Uma árvore com uma longa história de vida, que fora plantada
Uma árvore antiga,
plantada para resistir ao Tempo
e dele ser confidente.
por mãos desconhecidas, há muito enterradas às margens do rio do olvido. Uma árvore que, deixada por sua conta, ainda manteria, por tempos incontáveis, suas fortes raízes incrustadas nas profundezas da terra.

Seu destino, porém, já fora traçado. O neto decidira que a primeira a ser derrubada seria aquela horrenda árvore maldita, que lhe lembrava o avô. Só não a cortara ainda por causa dos pesadelos.

Continua dia 24/02 a 2ª e última parte.




Foto Aspen: in Pixabay
Foto Árvore:  Frantzou Florine in Unsplash

Comentários

Clarisse Pacheco disse…
Adorei o Aspen trêmulo e as experiências místicas!!
Unknown disse…
Ei, cadê a ninfa que deu título à história? Só na segunda parte? Humpf
Anônimo disse…
Essa ninfa misteriosa vai aprontar alguma! Agora, onde é esse sítio mágico? Quero ir!
Aretuza disse…
será que a arvore Aspen vai fazer ele morrer de algum medo??? E a ninfa??!!!
Albir disse…
Só nos resta esperar a segunda parte, com medo do aspen, da ninfa e do neto.
André Ferrer disse…
Ideia central e elementos da paisagem integrados na construção de um "clima". Excelente!
Analu Faria disse…
Admiro sua habilidade, que eu acho que nunca vou ter: descrever paisagens.
Muito bom, Zoraya!
Aguardando a segunda parte!
falou em manacá, já me cativou... em qual árvore do bosque viverá a ninfa?

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