NÃO É UM CONTO DE FADAS >> Zoraya Cesar

Marcolina queria casar. 

Também queria trocar de nome, mas os cartórios não aceitavam a tese do constrangimento causado pela junção dos nomes paternos, Marcos e Amaralina. 

Se não dava para trocar o nome, pelo menos trocasse de estado civil, pois que Deus a livrasse de ficar pra escanteio, como a madrinha, Tia Vespúcia. 

Solteirona convicta, amarga e terrível, possuidora de um buço escuro e espesso, Tia Vespúcia era a mais velha da família, e rica, muito rica. Batizou, pois, a menina, vaticinando que Marcolina, assim como ela, seria infensa à lábia dos homens, esses tentadores do demônio. E praga de madrinha, vocês sabem...

Marcolina não tinha a mínima intenção de morrer invicta ou solteirona e tentava fugir de seu destino como o Diabo da Cruz. Namorava a torto e a direito, mais a torto que a direito, pois só arranjava traste. 

O primeiro namorado era tão sovina, que sempre dividia o prato e a cerveja - mas não a conta, que ficava para ela pagar. Pouco tempo depois, Marcolina soube que ele apostava nos cavalos o dinheiro economizado às suas custas. 

O seguinte era um sem-noção. Um dia, conversando pelo celular, ela ouve, ao fundo, ruídos estranhos, como algo sólido caindo na água. Descobriu então que, enquanto trocava juras de amor, o nada romântico rapaz aproveitava para... defecar, pois era homem muito ocupado, não podia perder tempo. 

O outro não era pão-duro, não soltava puns e era rapaz família, cuidava da mãezinha – uma velha insuportável e rabugenta que tratava Marcolina com indisfarçável implicância e má vontade. E ainda sabotava o namoro. Diversos foram os finais de semana que passaram em casa trancados com a mãezinha doente. Doente de quê, não se sabe. Sentia palpitações, suores frios, meu filho, acho que vou morrer. Mas no domingo à noite estava totalmente curada.  Depois de alguns meses, o tal filho da mãezinha abraça Marcolina carinhosamente: “você fica, amor, com mamãe? Mais tarde eu compenso com beijinhos” e sai, sem a menor cerimônia, para curtir o churrasco com os amigos, deixando-a sozinha para cuidar da provecta e desagradável senhora durante todo o domingo. 

O último tinha um discurso de solidariedade ao próximo comovente, era quase um santo. Mas no dia em que Marcolina acordou com conjuntivite, teve de ir sozinha para o médico, pois o namorado não quis perder o sábado de sol. À noite ele ligou, pra saber se ela estava melhor. 

Tia Vespúcia a tudo acompanhava e dizia: Afilhada, homem não presta, melhor ficar sem casar. Marcolina desesperava-se. Ficar solteira, bigoduda e ranzinza, jamais. 

Começou a apelar para o sobrenatural. 

Colocou uma imagem de Santo Antonio de cabeça pra baixo dentro de um copo de cachaça. O Santo deve ter ficado revoltado, pois o copo caiu, o cachorro bebeu da água que passarinho não bebe e entrou em coma alcoólico. Tirou o Menino Jesus dos braços do Santo e escondeu-o. Coincidência ou não, diversos objetos foram perdidos dentro da casa, e só foram encontrados depois de Marcolina devolver o Menino. Por fim, aconselhada por uma amiga, acendeu um incenso de ervas e fumo de rolo, pra afastar os maus espíritos e atrair homens. Algo deu errado, pois do tal incenso saiu uma fumaça preta e fedorenta, que se espalhou pela área de serviço e corredor do prédio, fazendo com que uma vizinha, assustada, chamasse o Corpo de Bombeiros. Tudo o que Marcolina conseguiu atrair foi vergonha e uma bronca do síndico. 

E Tia Vespúcia mastigava a dentadura e dizia, para com isso, sua louca, melhor ficar solteira.

Mas aconteceu de um dia – sempre tem um dia, não custa repetir – aparecer na vida de Marcolina um sujeito decente. Não era, claro, um príncipe encantado, produto absolutamente em falta nas prateleiras,  mas não tinha traços evidentes de babaquices nem esquisitices, e, mais importante que tudo, casadoiro. 

Convites expedidos, lua de mel agendada, o casamento finalmente ia sair. 

No entanto, bem no meio dessa felicidade toda Tia Vespúcia resolve morrer, talvez de desgosto em ver a afilhada desconsiderar seus conselhos. Marcolina fica arrasada, realmente gostava da madrinha casquenta e verruguenta, só não queria ficar como ela (embora tivesse herdado o maldito buço escuro, que depilava religiosamente). Tia Vespúcia também gostava da afilhada, única pessoa a quem se afeiçoara na vida. 

Tanto assim, que deixou para ela toda sua considerável fortuna. Marcolina poderia viver à larga, sem trabalhar, por incontáveis anos.

Havia apenas uma condição – claro, ou você pensou que as coisas iam se resolver fáceis assim? Isso aqui não é conto de fadas não!

Para colocar as mãos, pés, o corpo naquela fortuna, Marcolina não poderia casar, amigar, concubinar, amasiar, juntar, engravidar, nem mesmo namorar por mais de um ano com a mesma pessoa. Era ficar solteira, solteirona, encalhada, celibatária, vitalina, convicta, assumida e enrustida o resto da vida.

Ora, tudo o que Marcolina sempre quis, sabemos, era trocar de nome e casar. Trocar de nome, impossível. Casar, no entanto, era uma realidade palpável e realizável. 

No dia seguinte à abertura do testamento, ela chamou os advogados e o noivo para anunciar que, dadas as circunstâncias, ela abriria mão do casamento.

Do casamento? Não seria do testamento?

Não.

Seria Marcolina para sempre, mas seria uma Marcolina rica. Ser chamada Senhorita Marcolina já não lhe soava mal aos ouvidos, agora entupidos de dinheiro. E parou de depilar o buço. 

Comentários

Anônimo disse…
Vocês querem amor ou dinheiro? Dinheiro!
Erica disse…
Espertinha a Marcolina... fica com o dinheiro, arranja um namorado diferente por ano e quando ficar velhinha contrata um enfermeiro gostosão pra cuidar dela rs
Albir disse…
Casamentos frequentemente dão errado. Heranças, nunca!
é certo, melhor um pássaro na mão do que dois voando...

vai que, depois, Felipe Espada descobre que quem matou Tia Vespúcia foi o noivo que estava de olho na fortuna?

e um casinho por ano, não tá mal não, vai Marcolina aproveita a vida!
Marcio disse…
Se o problema da tia Vespúcia eram os homens, a Marcolina poderia aproveitar os novos tempos e casar-se com uma mulher.

E essa cláusula do testamento, não sei, não... Acho que isso não resiste a um exame jurídico mais sério.

Mas vamos deixar a Marcolina em paz. Que seja feliz. Mas o final da crônica confirma aquele ditado machista que assevera que "quem gosta de homem é viado; mulher quer mesmo é dinheiro".

Antes que as pedras comecem a ser lançadas, aviso logo que não concordo com essa frase (que me condenaria à solidão, por falta de dinheiro e por minha opção heterossexual). Apenas assinalei a convergência da crônica com tal ditado.
aretuza disse…
Podia pelo menos ser uma Marcolina sem buço!!!! Cheia da grana, podia fazer depilação a laser. Eu ficava com o dinheiro e ia depilar meu buço em Paris!!!!
Clarisse disse…
Tal dinda tal afilhada, hehehehe

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