PARA RESPIRAR >> Carla Dias >>

Tem esse exercício, no qual tento me especializar, mas sem sucesso, e que ainda assim faço, constantemente, teimando mesmo, que é o de encontrar em situações equivocadas, em frases ditas com a intenção de ferir, e na própria violência cometida homeopaticamente, algo que remeta ao bem. Mas não justificando, que justificar se tornou verbinho mal aplicado pra dedéu. Sabe quando um fotógrafo clica uma imagem que registra a tragédia, e ao vê-la nós dizemos, a comoção à flor da pele, “que linda”?

Não se trata de citações de autoajuda, manter pensamento positivo à exaustão, tampouco tem a ver com implantação na alma da certeza torta de que somos melhores que o outro, quando o que podemos realmente esperar é nos tornarmos melhores do que nós mesmos, a cada dia um tantinho.

Esse exercício é dos duros, mas tem me ajudado a não ser injusta com as pessoas, nem comigo mesma. Porque cometemos injustiças, é fato, defeitinho que vem com o pacote da humanidade. Mas o que vem depois, a forma como lidamos com o feito, é que nos define.

Sendo assim, eu posso me sentir muito, mas muito mesmo desapontada com o ser humano, até falando sobre ele como se eu não fizesse parte da raça, sabe como? “O ser humano é fogo! Só faz besteiras!”, coisa do tipo. Posso me sentir extremamente infeliz com o ocorrido. O que não posso, e mesmo quando significa sofrer um tanto por isso, é deixar a injustiça se apossar do meu espírito, como se não houvesse mais saída, ser catequizada pelo “Eu sou fogo! Só faço besteiras!”.

Eu faço besteiras, um monte delas, mas isso não me tira a capacidade de acreditar no “fundo do poço, bato a mão e subo, respiro e volto à luta”. Ando extremamente sensível à falta de educação das pessoas no lidar com o outro no cotidiano. Falta de educação com requintes de preconceito, egoísmo extremista, preguiça concentrada. E, definitivamente, não tenho talento para construir seja o que for - de casa à reputação - à custa de quem não sou, do que não acredito. E sensível, acabo vítima em algumas situações que batem de frente com a minha fé de que há, até mesmo em momentos difíceis, algo de bom no que me agarrar.
Mas a desolação só faz sentido por alguns segundos. Então, eu sigo em busca do que realmente importa.

Eu sei que, talvez, você que decidiu passar por aqui nesta quarta, esperasse encontrar algo que remetesse ao feriado de hoje. Eu nunca fui boa em escrever sobre comemorações de calendário, até mesmo sobre as históricas. Mas posso lhe dizer que eu acredito, e plenamente, que o exercício de ser sem ofender, compreender que é um erro reivindicar direitos que não são devidos, e que não há quem seja o ponto pelo qual orbitam todos os outros seres humanos, nos tornam capazes de bater a mão no fundo do poço e voltar, o que não depende de cor, etnia, política, religião. E espero que, em algum momento, não seja necessário que uma data no calendário nos lembre de que o que nos difere serve para que possamos, com alegria, reconhecer a igualdade.

Bater a mão no fundo do poço, voltar à superfície. Respirar.



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