ME DESCULPEM, MAS VOU FALAR DE AMOR >> Fernanda Pinho
Havíamos
combinado de nos casar no mês de setembro, no Brasil. Imaginando que o processo
era burocrático, três meses antes começamos a reunir a documentação necessária.
Mas fui muito modesta no que imaginei. A
burocracia era muito maior que o esperado, já que ele não é brasileiro e
tínhamos o agravante de não estarmos no Brasil. Foi então que alguém deu a
ideia e acatamentos imediatamente: vamos ver como faz pra casar aqui no Chile.
O plano era simples: se fosse um pouco menos complicado que no Brasil, faríamos
um casamento chileno no civil e um casamento brasileiro na igreja. Tudo em
setembro. Ainda era junho, tinha que dar tempo.
Se
deu. Mais uma vez fomos surpreendidos pela burocracia. No caso, pela falta
dela. E assim começou a história de um
casamento que só não foi o mais rápido que eu já vi porque existe Las Vegas (se
bem que, eu não conheço ninguém que casou em Las Vegas, então o meu continua
sendo o único casamento de supetão que eu já presenciei).
“Por
favor, queremos informação sobre como faz pra casar aqui”.
“Preciso
de um documento de identidade de cada um”.
“Mas
a noiva não é chilena”.
“É a
mesma coisa para chilenos e estrangeiros. Apenas um documento de identidade”.
Entregamos
os documentos, meio assustados com a facilidade. Assustados por inteiro ficamos
com o que veio depois.
“Ótimo,
pode ser sábado?”
“Pode
ser sábado...o que exatamente?”
“O
casamento. Vocês não vieram marcar um casamento? A juíza pode ir na casa de
vocês no sábado, pode ser?”
“É...pode”.
A
gente se ama. A gente já dividia o mesmo teto mas, nem por isso, foi fácil
dizer que podia. Esperávamos sair de lá com, no máximo, um casamento
pré-agendado pra dali a três meses. E, vale dizer, até o casamento anteriormente
marcado para setembro já estava sendo considerado um pouco precipitado pelas
pessoas, digamos, um pouco mais planejadoras que nós.
Mas a
gente havia acabado de dizer “sim”. Não O Sim definitivo, mas que “sim, podemos
nos casar no sábado”. A gente se casaria de verdade, usaríamos alianças, mudaríamos
nosso estado civil na hora de preencher formulários de toda ordem,
organizaríamos em três ou quatro dias o que algumas pessoas levam anos
organizando e, por fim, assinaríamos aquele documento como quem diz “olha aí,
gente, é sério mesmo”.
Eu
estava chocada por tudo isso, o que não significa dizer que eu estava
exatamente pensado nisso. A verdade é que eu não estava formulando nenhum tipo
de pensamento eloquente. Fiz o percurso todo de volta pra casa em silêncio
pensando coisas como: “Vou casar. C-A-S-A-R. Sábado é o o meu casamento.
C-A-S-A-M-E-N-T-O. Sábado. Eu. Casar. Noiva”.
Só
recuperei a compostura mental quando tive que dar a notícia para minha família
e o fato de eu ter que explicar me fez entender. “Oi, mãe, tudo bem? O que você
vai fazer sábado?”. “Não sei, por que?”. “Porque eu e o Osvaldo vamos nos
casar”. Vamos casar porque nos amamos, porque queremos ter nossa casa, começar
nossa família, nossa vida, nossa história. Queremos dividir a cama, as contas,
as alegrias e as tristezas. Porque
queremos ter uma casa com decoração de guitarras e girafas e filhos para
presentear com livros e aparatos tecnológicos. Porque queremos ficar juntos por
todos os anos e queremos que todos sejam muitos.
E
desses muitos, o primeiro já passou. Com o primeiro ano, passou também o choque
inicial, o que nos deixa, hoje, muito mais leves e maduros para comemorar que
naquele 23 de junho. Por isso hoje, pelo
menos hoje, resolvi deixar de falar de manifestações para fala de amor. Pelo
menos hoje, vou esquecer os cartazes e fazer um cartão de coração. Pelo menos
hoje, vou dar um tempo num acontecimento que pode mudar a história do meu país,
para falar de um acontecimento que mudou minha vida e nada mais. Pelo menos
hoje, quero apenas celebrar o ato mais revolucionário da minha vida: o
casamento.
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