AMÊNDOAS DOCES >> André Ferrer

Ribamar ficou quieto. Ele costumava reclamar durante a visita mensal. Agitava-se todo enquanto falava da empresa, do baixo desempenho nos últimos trinta dias e da dificuldade que era manter uma filha na universidade. Naquela manhã, calou-se. No horário previsto, ficou onde estava, pálido e surpreso, metido num terno cinza; terno elegante, escurecido nos ombros por causa da chuva. Ele tinha sofrido um súbito impedimento depois que abriu a porta. Como de costume, entrou de uma vez no quarto da dona da casa, prendendo-se, naquela manhã, entre um jovem rapaz que ele jurava ter visto antes e Dolores Pilar.

“Este é o Cláudio. Lembra-se dele? Cláudio trabalhava na sua empresa. Muito bem. Agora é o meu ajudante aqui em casa e lá embaixo no café. Como já te falei: o valor da mensalidade aumentou.”

Ribamar observou o rapaz, tirou a carteira do bolso e apanhou o dinheiro em silêncio.

Deitada de bruços, o dorso à mostra, Dolores Pilar sorria. Estava feliz de verdade. Sinceramente feliz e relaxada em cima da cama. Com um braço esticado, empregava os dedos da mão direita para checar o verdadeiro alcance de uma toalha de banho que, apressada e suspeita, cobria-lhe minimamente as nádegas e o início das pernas.

“Como já te falei”, continuou. Estava prestes a levantar o corpo da cama. “Eu preciso que você reforce a mesada de Maria.”

Olhava direto para Ribamar neste momento e, logo atrás dele, avistou um pedaço de Cláudio que, constrangido, ainda segurava com toda a força do mundo o frasco vazio de óleo de amêndoas doces. Ele apertava o resistente gargalo desde a chegada de Ribamar. Ainda estava paralisado no mesmo canto para onde saltara logo que se viu flagrado no quarto da patroa.

Dolores Pilar transbordava felicidade. Desde o primeiro momento, convencera-se de que via raiva e ciúmes na surpresa do visitante. Desde o primeiro minuto, imaginou as profundezas daquela manhã. Sim, aquela manhã tinha um ventre! Aquela manhã tinha milhares de possibilidades entranhadas. Um jogo imprevisível de peças ligadas entre si. Cada casa daquela cidade bem como seus moradores e objetos pessoais representava uma peça. Um pequeno acidente doméstico. Uma dona de casa e o seu marido. A chuva! O exato momento em que o aguaceiro começava a cair e, providencialmente, atrasava a pessoa certa em relação à outra. Tudo e todos, enfim, constituíam peças fundamentais no ventre daquela manhã! “Desde o primeiro momento!”, ela repetiu consigo mesma e jogou as pernas para fora da cama. Içou a toalha bem devagar sobre o drapeado de pele que surgia nas axilas e ocupava as laterais do seu dorso. Ela cobriu as costas e, finalmente, sentada no colchão, encolheu os ombros embaixo do tecido felpudo.

Em pé, Dolores Pilar girou o corpo, voltou as costas para os dois homens e caminhou até a janela. Fazia silêncio e do silêncio brotavam os pequenos ruídos do café. Dolores Pilar sorriu mais ainda por causa da sinfonia de minúsculas trivialidades que, segundo acreditava, possibilitava o mágico ajuste entre a sua vontade e um universo docilmente moldável. Depois, olhou para fora. No exato momento em que a indução do mundo chegava ao ápice, a chuva parou de cair. Os telhados da fábrica e das casas vizinhas ficaram iluminados. A mulher também se descobria misteriosamente iluminada. Dias como aquele, de fato, tão cheios de coincidentes revoluções, compensavam todas as suas dores físicas e espirituais, principalmente a solidão causada pela distância da filha que, na capital, fazia faculdade de advocacia.

Completamente mudo, Ribamar depositou o dinheiro na penteadeira e se foi, logo depois de encarar de novo o rapaz.

“A senhora quer?”, disse Cláudio, aturdido, ainda sob os efeitos de uma seca batida de porta. O ajudante tinha acabado de descobrir que não havia mais óleo para a massagem de Dolores Pilar quando a visita inesperada — a seu ver, pelo menos, que era novo na casa — aconteceu. “Peço desculpas. Vou correndo até a farmácia. Peço desculpas. Nem mesmo a Lígia reparou que o óleo estava no fim! Peço desculpas.”

Dolores Pilar estava enlevada. Sequer escutou a informação do rapaz de que iria, então, adquirir outro frasco. Ela sequer notou o alívio e a ligeireza com que Cláudio saiu do quarto e desceu a escada.

“Amêndoas doces” continua no dia 27/05/2013. Obrigado. Até lá! ACESSE AQUI. 

Comentários

Aguardando ansiosamente a continuação! Muito bom!
André Ferrer disse…
Grato Élida Regina!
Zoraya disse…
ainda bem que dia 27 está chegando!

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