FLORES PARA UMA MULHER [Ana Gonzalez]
Quando a moça subiu as
escadas da porta de entrada do ônibus, perturbada, não sabia o que fazer. Como
passar pelas pessoas que se acotovelavam pelo meio do corredor? Ela tinha nos
braços um grande maço de flores.
Daí que quando me propus
a segurar o ramo, ela gostou porque teria tempo para resolver o que fazer.
Enquanto eu o segurava, ela foi falar com o cobrador. Desceria pela frente do ônibus? Não haveria outra solução melhor ou possível. Insistir em ir por lugar tão
cheio seria prejudicar as flores. Seria incomodar e provocar reações
insuspeitadas nas pessoas já bastante apertadas entre si. Mais um ramo de
flores? Nem pensar.
Quando me vi estava, no balanço do ônibus,
equilibrando um buquê generoso de beleza e amor. Eram rosas vermelhas e pelo
meio delas, folhagens e outras flores
pequenas e brancas. Foi assim que durante o longo percurso até o destino da
dona, mantive o ramo no colo. Agradável sensação de leveza e perfume. Deu tempo
para conversar um pouco. Chegando pela manhã ao local de trabalho ela tivera
essa surpresa. Não era nenhuma comemoração especial, fora apenas mais um gesto
delicado do namorado. Suspeitei que era um relacionamento novo. Não me
enganara.
O longo trajeto e o
trânsito abriram espaço silencioso para lembrar as flores que eu também ganhara
pela vida. Essa suspensão no tempo despertou memórias de outros ramos. De
flores variadas, todas especiais, muitas das quais permanecem despetaladas e secas
em meio às páginas de livros e, ainda assim, mágicas quando libertadas desse
esquecimento. É privilégio ter esse tesouro, que agradeço aos homens que me
maravilharam e souberam abrir um sorriso na boca e nos olhos preparando o
caminho para meu coração. E deram argumento para eu acreditar no amor e nos
relacionamentos.
Talvez hoje em dia eu
seja menos romântica e mais pragmática por acreditar que as relações se
sustentam menos por flores e mais por razão e boas decisões na vida cotidiana.
A vida me tornou menos crédula na força das flores, a despeito dos significados
que elas possam evocar em nossa cultura, certamente todos em um plano maior de
nossa experiência,
Temi pelo que poderia
acontecer com a alegria daquela moça tão jovem, quase menina, bem vestida para
o trabalho, com cabelos tratados, unhas polidas, portando aquele meio sorriso
nos lábios ao olhar para seu presente.
Eu adivinhava a esperança que iria dentro dela. Os pensamentos e as
imaginações de romance. A promessa de amor e tudo o que alguém de sua idade
deseja. Da sua idade? Na verdade, tudo o que todos nós, em qualquer idade,
desejamos em relacionamentos. Aquele clima de confiança que modifica a cara do
mundo e nos tira o medo de atravessar as esquinas da vida.
Talvez ainda haja em
algum desvão de mim aquela mulher que ganhou tantas flores. Ela está viva. Com
os mesmos desejos de flores e promessas de amor. Cúmplice, pensei tudo isso
observando a mulher que merecera o gesto poético. E apesar do leve temor que se
levantou dentro de mim pelo futuro desse relacionamento, desejei que ele não
caísse no ramerrão do cotidiano e que se mantivesse para sempre em patamar de
celebração do encontro.
Como nos contos de fadas.
E me senti, então, com o dom de fada madrinha. Desejei firmemente que o
namorado-amado-amante continuasse esse homem delicado e afeito a comemorar as
qualidades de uma mulher e dos espaços de romance.
Comentários
sua crônica é simplesmente inspiradora.
Beijos de Luz.
Espero que visite meu blog www.depoisqueeumudei.blogspot.com.br
Interessante como as flores são recebidas até por quem apenas as carregou por um tempo.
Naquele momento elas eram dela.
Alfredo, nossa, vc viu algo que eu não tinha percebido assim. Mas acho que além de personagem, me senti um pouco dono delas. Mesmo. Bjss
Gostei demais dessa crônica. Demais.
Confesso que mesmo com a idade madura eu ainda amo receber flores.
Aliás, amo flores!
Não deixei que a idade e as decepções tirassem isso de mim.
I'm in the mood for love.
Poliana