TODO FILME É BOM NO TRAILER
>> Fernanda Pinho




Acabei de chegar do cinema. Foi mais um caso daqueles de trailer engraçado, dinâmico, emocionante e filme monótono, sem graça, fraco, que parecia não ter fim.  Todo filme é bom no trailer. Claro.  O trailer é exatamente um compacto das melhores partes que têm o objetivo de vender o produto. No caso, convencer as pessoas a assistirem aos filmes. 

E, olha, nem temos o direito de acusar os produtores de cinema de propaganda enganosa. O tempo todo forjamos trailers de nós mesmos. Num primeiro encontro, nenhuma mulher é ciumenta, insegura, chorona e doida pra casar. Nenhum cara é pão duro, tem pânico de relacionamento sério ou está obcecado por uma mulher que seja perfeitamente igual à sua mãe.  Numa entrevista de emprego, ninguém assume ser do time “chega logo, sexta-feira” ou que detesta realizar tarefas em equipe  ou que se aproveita das reuniões intermináveis para desligar a mente e pensar em tudo, menos no que está sendo dito no recinto.  Aquele que está tentando se enturmar num potencial grupo de amigos não vai pedir dinheiro emprestado no primeiro programa juntos ou fazer piada com o tamanho do nariz de um dos colegas ou ficar reclamando de tudo o tempo inteiro. A pessoa que vai jantar pela primeira vez na casa dos sogros, não avisa logo de cara que não suporta intromissões na sua vida e que nunca vai abrir mão de passar o Natal com os pais.

O que todos nós temos – não por mal, mas por sobrevivência – é uma série de trailers que revelam o que temos de melhor, para exibirmos quando for oportuno. Superficialmente, somos todos seguros, bem-resolvidos,  desprendidos, proativos, conectados, adequados, flexíveis, compreensivos, engraçados, inteligentes e dotados do bom e velho desconfiomêtro.  Se colar, colou. Alguém vai ser convidado a assistir o filme inteiro.

O negócio é que a vida de ninguém está sendo dirigida pelo Almodóvar, pelo Scorsese, pelo Spielberg ou pelo Tarantino. Somos nós mesmos, atores e diretores, sem roteiro, experiência ou ensaio. Encarregados de conduzir uma história interessante, não por uma hora e meia, mas por uma vida inteira. E numa vida inteira,  tem certas coisas que são inevitáveis.

A convivência é um filme repleto de momentos de tédio, lentidão, rotina e uma série de outras falhas de roteiro não previstas no trailer. Ficando insuportável, existe a opção de mudar de filme, por que não? Mas não mude de filme esperando que todos os seus problemas sejam resolvidos. O cinema pode até ter produzido filmes perfeitos. Mas vidas perfeitas é um produto que ainda não foi inventado.

Se bater uma vontade de trocar de canal, pense bem nas paixões que te impulsionaram a ver aquele filme. Cogite a possibilidade de mudar, não o filme, mas a forma como ele está sendo dirigido. Lembre-se das suas motivações, investigue as coisas boas. Elas ainda estão lá. Porque o cinema pode até ter produzido filmes medíocres do início ao fim. Mas vidas inteiramente medíocres também é um produto que ainda não foi inventado.

Imagem: sxc.hu

Comentários

Por isso gosto de crônicas, Fernanda, porque elas estão a meio caminho entre o trailer e o filme. E essa sua crônica é mais uma das PERFEITAS. :)
Muito bom. Mas fiquei curiosa: qual filme deu origem a esse texto? Beijo
Zoraya disse…
Fernanda, sacada legal demais essa sua! Juntar cinema e vida numa crônica curta e objetiva foi coisa de profissional. Fiquei também curiosa, qual foi o filme?
albir disse…
Me lembrou Drummond: "E eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé".
Unknown disse…
Magic Mike...hahahahaha...também, né, o que esperar desse filme :P
Carla Dias disse…
Fernanda, fiquei curiosa sobre o filme do cinema, só que mais curiosa ainda para saber de onde veio essa reflexão cinematográfica. Foi somente esse filme mesmo que a inspirou? É que a achei impecável :)

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