O MAIS CARO É O MELHOR?
>> Felipe Peixoto Braga Netto


Admiro esse rapaz, sem saber seu nome.

Nunca trocamos uma palavra. Não sei se trocaremos. Eu o vejo, breves segundos, quando passo numa rua lá do bairro.

Logo se vê que é um rapaz pobre, de origem humilde. Sua função, também humilde, é estacionar os carros que chegam na majestosa academia de ginástica, a mais cara, provavelmente, da cidade.

Os carros que chegam parecem helicópteros, se é que não chegam alguns helicópteros. Eu não sou bom em nomes de carros (sempre me perguntam quantos cavalos tem o meu carro e eu nunca sei, espero que sejam muitos, ter cavalos é sempre bom). Não sei os modelos nem as marcas, mas, nesse caso, não precisa.

São carros naturalmente importados. Pelo menos a maioria. Também nada sei sobre preços de carro, mas arrisco que com o valor de alguns desses você compra uma cidade e ainda recebe troco.

Nesse oceano de mirabolantes carros incríveis, o modesto manobrista conseguiu comprar o seu. É um Kadett idoso, provavelmente já com netos, quem sabe bisnetos. Talvez tenha sido um dos primeiros carros do mundo. Tem um ar de quem já viu muita coisa nessa vida. Não sei seu ano, na certa algum outro século, um ano muito distante do agora.

É difícil dizer a cor do carro. Eu arrisco cinza sujo, talvez seja isso. Mas não é de uma cor só, é democrático, tem várias. É que a cada batida ou conserto, a parte estragada é de uma cor diferente, com a tinta, imagino, que se tem à mão.

O para-choque não é daqueles agarrados ao carro, cheio de desmesurado apego. Não. Ele está pendurado, caído, quase amante do chão. Os vidros não abrem direito, ou não fecham direito, aí é questão de ponto de vista.

Está bem, Felipe, isso é motivo para crônica? É.

É porque é bonito, levemente engraçado, o orgulho do dono. Exibe o carro velhíssimo com um ar de satisfação, de "é meu", de "eu consegui". Sempre que pode, para o carro em cima da calçada, bem em frente à academia, e exibe, majestoso, seu decadente troféu.

Decadente, claro, só para quem não sabe ver, quem tem os olhos embaçados pelas lentes de uma vida fácil. Faz a gente pensar que as pessoas felizes não têm necessariamente as melhores coisas, não é isso. Elas sabem valorizar o que têm, a diferença é essa.

Acho que ele não pensa isso, mas tinha todo direito de pensar. De pensar assim: "Como vocês são pobres! Todos os seus tesouros não pagam a alegria que sinto com esse carro velho, esse carro caindo aos pedaços que eu consegui comprar. Eu consegui!".

É engraçado, mas é também bonito.

Comentários

Juliêta Barbosa disse…
Felipe,

Numa época onde os valores e sentimentos têm a profundidade de um pires, ler a sua crônica faz toda a diferença. Obrigada!
Kika disse…
Felipe,
pois você transformou um fato corriqueiro, do dia a dia, em algo especial. isso é do valor que tem as coisas né?
depois vem falar de como eu escrevo do dia a dia. essa é boa!
:)
mais uma vez adorei a crônica!
beijos

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