SONIA >> Ana Raja
Até sexta passada.
Por volta das 9h da manhã, eu e meu marido estávamos a caminho de um passeio, e encontramos, em uma rua de paralelepípedo, um carro parado com uma das rodas traseiras no meio-fio. Passamos devagar pelo veículo e vi que uma mulher com idade bem avançada era a motorista. Ela estava ali, sentada no posto de comando daquela máquina, aparentemente rebelde, pois não respondia as suas ordens.
Estacionamos um pouco mais a frente, nos aproximamos e perguntamos se estava tudo bem. Um pouco assustada com a nossa presença, disse que o carro não pegava e que ela não sabia o que fazer.
Oferecemos ajuda, a fim de tentarmos entender o que acontecia com o veículo. Ela demorou para responder, mas por não compreender o que dizíamos. Tive que aumentar o tom de voz e escolher outras palavras.
O carro não dava partida. Anunciamos a possível causa do problema: bateria.
— Qual é o nome da senhora?
— O quê?
— Como a senhora se chama?
— Sonia.
— A senhora está com o celular?
— Não, esqueci em casa.
— Tem filhos?
— Tenho.
— Lembra do telefone deles?
— Não lembro.
— Qual é o endereço da senhora?
— Eu moro longe.
— E o nome da rua?
¬— É longe.
Aos oitenta e sete anos, ela trajava um pijama de cor discreta, e para se proteger do vento frio, usava uma blusa de lã cinza.
— Sonia, entre no nosso carro. Vamos ajudar a senhora.
Sem medo, entrou e nos acompanhou tranquilamente. Disse que a filha ficaria brava com ela, porque a avisou para não pegar o carro, mas não conseguiu resistir. Contou que esteve doente por várias semanas e havia voltado para casa recentemente. Então, pegou o carro para dar uma volta. Precisava respirar um pouco.
Duas ruas do ocorrido com Sonia, avistamos uma batida entre dois carros. Havia viaturas no local e os policiais orientavam quem passava por lá, para desafogar o trânsito.
Saímos do carro e fomos até os policiais para explicar o que havia acontecido. Em menos de cinco minutos, já sabíamos de quase toda história de vida dela.
Puxaram a ficha de Sonia e então veio a informação principal: um telefone de contato em uma ficha do hospital. A policial fez a ligação e, do outro lado da linha, alguém respondeu: é a minha mãe.
Esperamos a chegada da filha e seguimos o nosso caminho. Ganhei duas lembranças de Sonia, feitas por ela mesma: um abraço e um beijo emocionado. Retribuí o carinho. Enxuguei as lágrimas dela e ela as minhas.
Envelhecer não é tarefa fácil.
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As dores delas, primeiro livro de Ana Raja, está a venda no www.editoraurutau.com.



Comentários
Ambas. Lindo Demais esse texto-vida.