escrever >> whisner fraga
escrever, para mim, não é fácil,
dói,
o normal seria sempre adiar este sofrimento, o normal seria sequer procurar essa aflição, o normal seria apartar essa necessidade em algum compartimento da memória e, talvez com uma faca, eliminá-la,
(a literatura exige muito mais do que dá,)
repito: ao menos para mim,
e não é por teimosia, não é por vaidade (que vaidade pode haver em ser lido por pouquíssimas pessoas?),
é questão de sobrevivência,
sou incompetente para as coisas práticas do mundo e carrego um pesar gigante por isso,
poucas vezes durante o dia penso no ato involuntário de respirar, às vezes tento converter esse ato em algo palpável e menos automático, normalmente com exercícios,
com a literatura não posso fazer o mesmo, ela é obrigatória, atravessa a minha consciência durante as vinte e quatro horas do dia,
em algum momento eu terei de escrever e, por conseguinte, sofrer,
revisito temas complexos, é lógico que seria melhor deixá-los de lado, esquecê-los, mas não é possível, meu corpo me cobra o mergulho nestes assuntos ásperos,
depois, o pior, a luta contra a palavra, a busca pelo termo que nunca conseguirá refletir o que sinto, a frase que jamais representará um milésimo do mundo inquieto na minha cabeça,
vários demônios ferozes ao meu lado, me provocando, me desafiando, meu pensamento usufruto deles, caminhamos juntos, pretendemos chegar a algum destino que nos traga um pouco de alívio, tudo arde dessa chama de um bilhão de ferretes marcando a trégua impossível em meus pensamentos,
até o verbo se consumar e dele escapulir apenas o medo de que outro dia virá e tudo será como sempre.
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