OS TARADÕES, A FÉ E O PODER >> Albir José Inácio da Silva

 

Pela quantidade e frequência, os escândalos sexuais deixariam as manchetes para cair no desinteresse, não fossem os furibundos discursos moralistas e repressores anteriormente proferidos por aqueles que protagonizam tais espetáculos.

  

Que expliquem os profissionais da psicologia, mas, para o senso comum, fica a impressão de que basta acompanhar de perto a vida desses baluartes da moral e dos bons costumes, que apregoam o ódio contra a sexualidade alheia, para descobrir a lama em que chafurdam suas mentes rigorosas.

 

Exemplo disso é o bispo que saía de calcinha preta e peruca loira depois do culto para, segundo ele, investigar endereços, não sem antes desancar do púlpito os gays, adúlteros e fornicadores, prometendo-lhes a morte e o fogo do inferno.

 

Mas esse é um dos casos de menor importância. O ungido apenas enganou seus fiéis, escandalizou as velhinhas e confundiu as crianças. E, claro, obrigou a bispa missionária esposa a aparecer no vídeo explicativo concordando com as atividades investigativas do seu varão.

 

Na mesma onda do reverendo de lingerie, viralizou vídeo de outro sacerdote que teve seu sermão interrompido por uma profissional trans do sexo, que cobrava, aos gritos de falsete esganiçado, o pagamento por um serviço em que o ungido utilizou seu corpo sem a devida contraprestação financeira. A descoberta da destinação dada às suas contribuições indignou os fiéis, mas, neste caso também, não houve mortos ou feridos.

 

Nada comparável aos predadores que do alto do seu poder, de dentro de seus ternos e batinas, enquanto vociferam contra o pecado, assediam, humilham, perseguem e estupram, a pretexto de proteger ou arrancar entidades que invadiram o corpo do fiel submisso e incapaz.

 

Incapazes alguns por menoridade e outros por ingenuidade tardia, seduzidos todos pelas bênçãos, santificações, libertações e prosperidades oferecidas pelos lobos travestidos de pastores para devorar ovelhinhas ingênuas.

 

E a contradição não está apenas entre o discurso e a ação, mas dentro da própria linguagem. A fala pública dos santificados é formal e empolada, com inflexão erudita e palavras difíceis, embora maltratando prosódia e concordância. Eles citam a Bíblia, dizendo que as palavras devem ser usadas para edificar e não para ferir ou ofender. Relacionam o que sai da boca com o que está no coração e ensinam que o uso de palavrões pode atrair espíritos malignos.

 

Mas a fala privada, descontraída, destituída do véu da santidade, é um esgoto.  Basta um vazamento de áudio para revelar um vocabulário chulo e indigno, que não repito para não submeter o texto à classificação etária do Ministério da Justiça.

 

Esses paladinos abominam qualquer nudez em obras de arte ou livros didáticos. Insurgem-se contra educação sexual que evitaria abusos, doenças e gravidez na adolescência. Espalham mentiras sobre distribuição de kit gay nas escolas e mamadeiras eróticas nas creches.

 

Para eles tudo que se refere a sexo deve ser reprimido. Masturbação, por exemplo, se não joga o pecador na cadeia – como querem que aconteça com qualquer tipo de aborto – coloca-o no inferno.

 

A desculpa para o rigor em condenar a informação e o comportamento alheio é a proteção das crianças. Querem protegê-las impedindo que saibam sobre sexo, que se vacinem contra HPV e que se desenvolvam como pessoas.  Querem entregá-las mais tarde a maridos igualmente ignorantes e violentos que vão submetê-las ao “poder marital” e ao silêncio.

  

Mas fica a impressão de que não é por causa dos filhos, mas por si mesmos. Temem não resistir aos estímulos advindos da liberdade e dos corpos alheios. Preferem que tudo seja proibido para não correr o risco de sucumbir ao que já pulula em suas cabecinhas doentes e que, a um tempo, reprimem e desejam.

 

Em alguns casos já sucumbiram, o que os preocupa agora é a divulgação.

 

 

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