ADOLESCENTE? >> Sergio Geia
Dia desses uma prima me disse que pareço um adolescente, que compartilho a minha vida no Instagram, que posto pratos, taças de vinho, doces; acha que estou num grande momento.
Não a contrariei. Apenas mostrei o que está escrito na bio do meu perfil: crônicas, contos, livros, vida, gastronomia e Palmeiras.
Literatura, com ênfase em crônicas e contos, especialmente os meus, mas também os dos amigos e de algumas referências para mim, como Lygia, Cintia, Braga e Caio. Compartilho livros, os que chegam, os lidos, os amados.
Tudo o que cabe no baú que chamo de vida, a vida vivida. Não as tragédias, as tristezas, os perrengues, embora tudo isso também seja vida. Num conceito mais amplo, a velha política que é vida, minha posição à esquerda no espectro político, postagens de grandes figuras analisando assuntos pela ótica da esquerda.
Palmeiras, jogos, vitórias e títulos, a torcida.
O que me faz bem aos olhos, ao paladar, às papilas gustativas. Amo fotografar um prato delicado, esteticamente apreciável e que entrega tudo na hora da degustação.
E aqui cabe uma junção de dois amores: literatura e gastronomia. Pinçar comidinhas das páginas dos contos, crônicas e romances. Às vezes atiça e até faço aqui. Outras vezes é gastronomia esquisita.
Sanduíches de manteiga de amendoim e marmelada para as crianças e de salmão com maionese e alface para os adultos, a sopa de peixe, o assado de porco com alho e folhas frescas de sálvia, pão de centeio, salame e queijo, ponche de rum e suco de abacaxi, e chili com carne, receitas tiradas dos contos de Alice Munro. O Meerlust servido pelo professor David Lurie à sua aluna Melanie Isaacs em sua casa (onde tudo começou), com bolachas e queijos de entrada, anchovas e tagliatelle com molho de cogumelos de jantar, em Desonra, de J.M. Coetzee. Eu mesmo já dei uma receita em crônica, quando cozinhei ao som do Oasis (novembro estarei no Morumba), arroz branco, salada de repolho com maionese, filé ao ponto, em Almoço de domingo, publicada no Crônica, em março de 2017.
Há uma passagem no conto Rua Sabará, 400, de Lygia, onde ela reproduz um instante de sua intimidade doméstica com o marido Paulo Emílio, muito mais memória que invenção:
Que tal uns ovos mexidos nem muito moles nem muito duros, hein? Bastante cheiro verde, pouco sal. Temos que nos fortalecer, Kuko!, avisou e trouxe do armário a cesta de pão e uma garrafa de vinho tinto. Deixou a garrafa no fogão, perto da chaleira de água quente, a noite estava fria, era bom aquecer um pouco o vinho. Sentou-se, acomodou o Pum-Gati no colo e abriu o vidro de azeitonas.
Adolescente?, ouço a voz de minha prima, enquanto procuro o cheiro verde.
Talvez envelhescente.
Ai, ai, mas essa é outra história...
Ilustração: Pixabay
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