O horóscopo de seu signome* para aquele dia não podia
ser mais objetivo:
O Sr. Amadan sentiu-se incomodado com o epíteto.
“Aposto
que foi aquela velha mofenta, a Srta. Ollean, quem fez o horóscopo de hoje. Ela
não trabalha com seriedade. Vai ver ainda está chateada porque a poção de amor
que preparei não funcionou. Não há feitiço no mundo que faça alguém gostar
daquele dragão de Komodo vesgo!” Convencido de que o horóscopo daquele
dia não deveria ser levado a sério, e que a Srta. Ollean queria se vingar,
resolveu fazer tudo ao contrário. Afinal, ele era um feiticeiro, não um
supersticioso qualquer. Por via das dúvidas, no entanto, leu toda a mensagem de
trás para frente, a fim de desencantar qualquer magia que a temível senhorita
pudesse ter embebido nas palavras.
Congratulando-se pela própria astúcia, o Sr. Amadan viu as
tarefas do dia – aquelas que ele não iria terminar:
- uma beberagem para o Sr. Pedro Salamandra parar de arrotar
fogo (por duas vezes os papeis da repartição em que trabalhava foram queimados)
- um creme desverrugante de efeito
prolongado para D. Inyoka, esposa do Secretário de Permissões Mágicas. (Esta
senhora tinha uma doença interessante: a cada vez que pensava mal de alguém
aparecia uma enorme verruga em seu rosto. Doença de efeitos desastrosos durante
campanhas políticas).
- ... e por aí seguia a lista, cada uma tão importante e
urgente quanto a outra; cada uma, se não atendida, resultaria em consequências
catastróficas. Para o cliente, certamente; mas também para o Sr. Amadan. Que,
no entanto, aferrou-se à ideia de que o horóscopo de seu signome havia sido
fraudado pela pérfida Srta. Ollean. Não cumpriu, portanto, nenhuma de suas
tarefas.
------------
Os Pássaros Lunares, irritados em sua gaiola ainda por
limpar, jogavam restos de comida, penas e fezes no chão. Um feiticeiro que
conseguisse um par desses pássaros era tido como um profissional de alto nível
e afortunado, pois eles traziam status, inspiração e sorte. Ou azar. Perder um
deles era razão de opróbrio eterno para seu possuidor. Sem falar que a Justiça
Mística costumava processar o desinfeliz que deixasse morrer um desses seres,
quase tão raros quanto o Pássaro Dodo. O Sr. Amadan, no entanto, arriscou
e soltou-os da gaiola. Iria contrariar o horóscopo à risca.
Os sinais de que escolhera um caminho equivocado não
tardaram a aparecer. A geladeira quebrou, azedando todas as poções. Os clientes
voltaram para casa de mãos abanando, rogando pragas horrendas. Depois, D.
Inyoka apareceu um dia antes do marcado e se desesperou por não encontrar o
creme – um jantar importante surgira para aquele dia,
eu quero o creme
agora!, chorava. Saiu sem creme e prometendo cassar a licença do Sr.
Amadan. Que, ultrajado, pegou suas anotações. E quase desmaiou. Estava ali,
escrito com sua própria letra: entregar creme desverrugante com um dia de
antecedência...
“Faça suas tarefas com atenção”, dizia o horóscopo.
Mas ele não se deu por convencido. Deve ser, pensou, uma armadilha daquela
bruxa gagá para confundir-me. E continuou no firme propósito de contrariar o
que lhe fora aconselhado.
Por isso não atendeu ao rogo choroso da vizinha, uma Duende
Amarela de Olhos Esbugalhados. Era uma boa vizinha, só incomodava quando
cismava de fazer um assado com restos de penugens e bolotas regurgitadas,
fedorentíssimo, que forçava os vizinhos mais próximos a usarem máscaras
antigás. Jamais pedira nada. Mas, nesse dia, resolveu pedir um pouco de
ectoplasma ao Sr. Amadan. Nunca se nega um favor a uma Duende Amarela de
Olhos Esbugalhados, ele bem sabia, sob pena de incorrer na Maldição dos Vidros Quebrados.
Mas negou, para contrariar o horóscopo.
Não deu outra. Tão logo fechou a porta, ouviu o barulho de
todos os vidros da casa se quebrando.
Foi nesse momento que, finalmente, deu-se conta de que
interpretou tudo errado. Talvez outra maga, que não a Srta. Ollean (ainda
furiosa com a poção do amor que não dera certo), tenha feito o horóscopo,
chamando-o de feiticeiro estúpido. Aquelas magas velhuscas eram muito rudes
mesmo.
Fórmulas perdidas, cremes azedados, geladeira e vidros
quebrados, clientes insatisfeitos, ameaças... resolveu, enfim, seguir o
conselho do horóscopo e deitou-se cedo, naquele momento mesmo. Quanto antes
terminasse aquele dia horrível, melhor. Estando deitado e dormindo, o que mais
poderia acontecer?
No quarto ao lado, o gato Stevenson ronronava satisfeito e
saciado, ainda saboreando um dos Pássaros Lunares. Você esqueceu de alimentar o
gato, Feiticeiro estúpido, pensou ele, enquanto olhava, cobiçoso, para o
Pássaro que sobrara.
(Esse foi um conto curto. Temi pelos outros danos e
prejuízos irreparáveis que poderiam ser causados ao pobre Sr. Amadan caso a
história continuasse.
Leia as outras aventuras do Feiticeiro Sr. Amadan e do
Gato Stevenson relboatadas aqui mesmo, no Crônica do Dia)
*Signome: junção das palavras signo e nome –
horóscopo personalizado que conjuga a numerologia associada ao nome da pessoa e
seu título honorífico (Kolurt, Duende dos Portais, por exemplo). Somente magas
com mais de 300 anos eram reconhecidamente capazes de fazer esses horóscopos.
Os requisitos eram ser meio ceguetas e só saberem fazer contas com os dedos.
Algo sempre podia dar errado, claro. Ou muito certo.
Esse conto faz parte do projeto Crônica de um Ontem, publicado em 15/6 2018
Comentários