ANJO DA MORTE >> Sergio Geia
Meu amigo diácono é um anjo de pessoa. Atuante em sua igreja, não há preguiça que o vença. Doa-se aos outros com dedicação e generoso amor, sempre distribuindo um sorriso afetuoso. O corpo franzino engana. Em muitos momentos, me evoca a figura de Francisco de Assis, talvez por sua força.
Outro dia, semblante grave, ele me contou uma história.
Disse que estava num supermercado quando viu um amigo que não encontrava havia décadas. Abraçaram-se, deliciarem-se com as lembranças, falaram do presente e, ao fim, trocaram telefones com a promessa de um novo encontro. No dia seguinte, soube do acidente.
Tempos depois, num posto de gasolina, encontrou um antigo professor. Tomaram um cafezinho, conversaram sobre os tempos de escola. Alguns dias depois a história se repetiu. Não foi acidente, foi infarto.
A partir de então, meu amigo começou a ligar os pontos, ainda sem acreditar. Ocorre que para seu espanto, novas mortes se sucederam com o mesmo enredo: encontros banais, pessoas conhecidas que a vida separou.
Ele anda preocupado, não entende, nem sabe o que fazer.
Acontece que se ele anda preocupado, imagine eu. Explico. Nos vemos todos os dias pois trabalhamos juntos, então estou seguro. Mas meu amigo está perto de se aposentar. Com o seu afastamento, e como moramos em cidades diferentes, é certo que a vida irá nos separar.
Demorei um tempo, mas a solução do problema, o meu, eu quero dizer, não foi difícil de encontrar.
Frequentarei a sua residência, está decidido. Talvez um café semanal, churrascos nos finais de semana ou vinhos e queijos.
Mas isso, honestamente, não importa. Se ele inventar uma enfadonha reza de terço semanal, ou mesmo um rosário, eu serei o primeiro a chegar.
P.S.: 1. Essa crônica foi finalista do Prêmio Off Flip 2025, e está no livro do Prêmio. Acesso gratuito ao ebook no site da editora. 2. Ilustração: Pixabay; 3. Ah, a vida é louca mesmo. A história da crônica é real.
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