RECEITA DE MÃE << SORAYA JORDÃO


 

Eu ainda era garota e já ouvia minha mãe dizer: “Ah, se os jovens soubessem e os velhos pudessem.” Como eu era jovem, a frase despertava em mim uma pena profunda daqueles que sabiam, mas não podiam mais. Que triste! Não quero envelhecer. Em seguida, me invadia a esperança de que, muito em breve, eu teria o conhecimento necessário para alcançar a proeza de viver a vida plenamente (sabendo e podendo). 

Com o tempo, fui me dando conta de que o problema era de outra ordem. Embora soubesse que há um consenso que determina que viver é estar em todas as festas, bares, resenhas, noitadas, shows, praia e afins, e pudesse desfrutar dessa intensidade, muitas vezes, me sentia bem mais viva assistindo minha novela, lendo um livro, tirando um cochilo. Será que esse foi o primeiro sinal da velhice? Mas, se foi, por que que esse prazer fica desbotado quando comparado com a purpurinada das ruas? Quero crer que os velhos sabem e é por isso que podem escolher o jeito que desejam viver o que vivem. 

Chega desse projeto de cultuar a vida bem vivida como aquela que se vive tudo com voracidade. Mania de colocar checagem de produção e competição em tudo. Viver é fazer o que se tem vontade, independente do manual positivo-produtivo da existência. 

Quantas vezes fazemos coisas só para acharem que estamos aproveitando a vida? 

Há quem goste de cachaça com torresmo, espumante com bem-casado, café com bolo, refrigerante com pizza. Há quem goste de tudo, dependendo da ocasião. Há quem se abstenha. 

Viver é saborear o que apraz.

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