A TEMPO >> ANDRÉ FERRER

Ele saiu tarde de casa, mas fingiu que estava tudo bem. Convencera-se, na véspera, da seguinte afirmação: o mais importante é a atitude, que precisa ser positiva.

O ônibus das sete e quinze já tinha passado, mas ele também estava convencido de que tudo andava sob controle. Chegaria a tempo no carro das sete e quarenta. Só precisava cruzar o portão às oito e dez. Afinal, havia uma tolerância de dez minutos firmada no sindicato. Chegou às oito e vinte.

No ponto de ônibus, nenhum dos amigos dava sopa como de costume. Não havia nenhum conhecido nas redondezas. O círculo de fumantes já tinha deixado a esquina do botequim e nenhum sinal do grupo que fazia o desjejum naquele estabelecimento.

O inspetor aguardava na entrada do prédio. Era um rapaz metido num macacão largo. Novo demais para a autoridade. Calcou as mãos na cintura. O canto da boca tremeu.

— Bom dia — disse ele. — O pessoal dos recursos humanos está procurando você.

IMAGEM: Gemini

Lucas encarou o inspetor de produção e entrou. Ele caminhava pelo corredor enquanto alimentava a convicção de que se tratava de um cadastro mal preenchido, mas o clima na sala do RH derrubou tal expectativa.

O encarregado ajeitou os óculos. Apresentou-se com uma expressão de pêsame assim que Lucas entrou. As sobrancelhas grossas do velho pesavam e havia rugas um pouco mais acima.

— Eu sinto muito — disse ele para liquidar o assunto.

O velho foi buscar uma pasta e abriu um leque de folhas no balcão enquanto um estoico Lucas observava. Ele conferiu o cheque, guardou o último pagamento na carteira e assinou a papelada.

Naquele dia, Lucas voltou mais cedo para casa e foi bem a tempo de apreciar a live do seu guru preferido, que estava mesmo inspirado. Lucas curtiu e compartilhou. O mindset do mestre coincidia com o seu e a margem de assertividade, como sempre, estava altíssima... Dado Severo, o coach da convicção positiva.

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