A FILHA DE CHUCK NORRIS >>> Nádia Coldebella
Enquanto ouvia os esculachos do ex-quase-enrosco, a moça se esticou na cadeira e acertou, sem querer?, em cheio o maxilar do estropício, que caiu duro, estatelado no chão. Apavorada, ela levantou rapidamente e empurrou a cadeira, atingindo a área frágil do amigo do caído, que vinha escorregadiamente em sua direção. Esse revirou os olhos, praticamente vesgo, e também caiu, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas, chamando a atenção de toda a praça de alimentação do shopping.
A moça não ficou encabulada; o amigo esgualepado que se lasque. Ela ficou preocupada em ter matado o palhaço que quase chamou de seu. Chegou perto e viu que ele respirava, mas não reagia. Ela levantou-se e fingiu demência para sair rapidamente sem ser questionada, mas, ao passar por cima do ser esmorecido, acertou, quase que numa vingança cármica, o pé em sua barriga, fazendo-o estrebuchar. Há quem jurasse que foi de propósito, mas não foi — a verdade é que foi puro azar, ou sorte?, aceitem as más línguas ou não.
Ela não esperou pela opinião alheia e saiu correndo em direção à escada rolante, mas desequilibrou-se e agarrou-se ao corrimão. O resultado foi que, inacreditavelmente, desceu esguedelhando-se por ele e pousou suavemente, quase uma bailarina, ao som de estupefatos “eitas”, no andar de baixo. Ela não prestou muita atenção nos “eitas”, tamanho era seu próprio assombro.
Isso não a impediu de correr até a frente do lugar, desviando bravamente, pelo caminho, do sem-número de estorvos que mais pareciam jogadores de hóquei tentando pará-la. Objetivo alcançado — a porta —, ela não se deu por satisfeita. Deixara a moto estacionada ali perto e, imaginando que estivesse sendo seguida por um assassino ou dois, alcançou-a e saiu em estourada.
Acelerou na curva e, antes de evoluir na reta, encontrou de cheio a traseira de um carro parado no sinal. A moto caiu de um lado, mas, com o impacto, a moça foi arremessada por sobre o carro, deu uma pirueta e pousou em perfeita sincronia com a buzina de outro veículo, num salto ornamental digno de Nadia Comaneci. O pouso perfeito terminou em passadas elegantes, quase uma continuidade de movimento, sem qualquer titubeio.
Ela logo acelerou e correu o mais rápido que suas pernas conseguiam. Duas quadras à frente, encontrou um terreno baldio cheio de arbustos e se esgueirou ali. Ficou até a noite cair e, na surdina, foi para casa. No outro dia, pediu um exame de DNA. Só um vínculo biológico com Chuck Norris explicaria um dia como aquele.
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