TÍMIDA LEOA


Cheguei ao aeroporto de Curitiba com três horas de antecedência ao meu embarque. Sei que não precisava chegar tão cedo para uma viagem nacional, mas não quero nem imaginar o prejuízo de perder um voo por erro de cálculo ou imprevisto banal. Ainda não tinha alcançado a área do despacho de bagagem quando descobri que o meu voo estava com atraso de duas horas e meia. Olhei novamente para o painel, na esperança de ter me equivocado, mas não! Aguardaria por seis horas a aeronave que me levaria de volta ao abraço que só a minha cama sabe dar. 

Pensei em esbravejar a falta de sorte, criar um conflito com a atendente, mas reparei que o voo seguinte, da mesma companhia, havia sido cancelado. Tem coisa pior? Experimentei uma certa compaixão pelos mais azarados. Esses ainda teriam que lidar com o desgaste de reagendar compromissos, reorganizar a rotina depois de suportar a burocracia irritante das companhias áreas; e a fila de horas para a resolução do problema. Despachei a mala, resignada. Pelo menos, chegaria a tempo de dormir na minha saudosa cama. 

E aqueles, cujos compromissos eram inadiáveis e estavam ali, impotentes, diante do destino e da falta de preocupação da companhia em oferecer uma solução satisfatória? Coitados! Tem sempre alguém no lugar errado, na hora errada. 

Na contramão dos desafortunados, passaram por mim os viajantes do embarque confirmado. Minha vontade era parar um por um e perguntar:

 — Você tem ideia do seu privilégio? 

Imagino que assim como aconteceu comigo, em outras viagens, eles não têm noção da dádiva escondida em tudo que é previsível. 
A vida é tinhosa, não dá garantias nem é avalista de ninguém. E a rotina, com sua timidez, não exibe seus dotes. Mas, acreditem: por trás daquele sorriso contido de moça tímida, existe uma leoa devoradora de contingências. Só ela sabe o quanto batalha para que tudo pareça acontecer de forma natural. Por isso, carece saudá-la, reconhecer sua importância e esforço. 
Seu trabalho é feito serviço de casa: todos desfrutam, poucos valorizam. 

Cuidemos para que ninguém dê à paz cotidiana o apelido pejorativo de mesmice. Estejamos atentos à graça que envolve tudo que acontece como planejado. 

Vez por outra, lembremos de festejar os dias que passeiam pela semana de cara limpa, sem grandes produções ou acessórios. Eles também têm seus encantos, ornam as horas com a beleza rara da tranquilidade.

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