O QUE IMPORTA >> Carla Dias

Imagem de JL G por Pixabay

O que importa desperta.

Há quem diga que não e se atreva a participar de pelejas para provar um contrário que nem contrariado merece ser. Porque o que importa se remexe no bojo do seu aprisionamento, atuando, mais vezes do que deveria, como protagonista da emoção indigesta que é o desolação. Ao se desolar – por puro descabimento de quem não se pronuncia em sua defesa –, o que importa se abate, como se tivessem extraído os seus barulhos, mas suas excitações recusadas não se contraem em solidão, só porque já não lhe reconhecem mais as facetas e os temperos. 

Leva um tempo de recuperar fôlego debaixo da água. É uma luta que de batalha tem nada, porque gritos são calados para não atrapalhar a soneca da miséria travestida de tranquilidade, péssima atriz essa, das que se valem de olhares sedutores e fendas nas roupas para distrair quem não anda com desejo de acordar para o que importa e desperta.

Acredita nela quem não tem mais em que acreditar ou escolheu não se importar.

Porque o que importa desperta. Não sinta a vergonha dos intimidados e sucumbidos, destinados a não verem graça na provocadora de deleites que é a felicidade. Não se renda às suas crias efêmeras, catalisadoras de meias-verdades, aqueles faz de conta impressos em holerites e panfletos sobre divindades milagreiras. Que têm sobrenome felicidade, mas não alcançam a profundidade da indecência do sentir aprazimento.

A felicidade inteira, de barriga saliente, onde se deitam sonhadores de todas as classes sociais e crenças. Suas orelhas grudadas nesse nascedouro de possibilidades de doer menos, não porque a dor morreu, sem direito a viver em universo paralelo, mas por serem capazes de corrompê-la a diminuir, de quase alcançar o fim, ao participarem da gestação de pequenas alegrias, nem sempre em benefício próprio, mas e daí?

E daí que a felicidade não é minha ou sua, mas deles e delas?

É alegria que alegra a gente que assiste de longe, mas ainda assim, se enternece.

O que importa desperta e enternece, mesmo quando a sua existência é desafiada pelo esquecimento da pele em polvorosa da felicidade, essa casa na qual a ninguém é permitido entrar e permanecer, mas que sempre recebe uns para visitas mais longas, de resgatar os tristes, de lançá-los igualmente ao mundo, de inspirá-los novamente às buscas, elas que são a razão de ser de quem nem mesmo sabemos ser ainda.

Ou nunca seremos, mas e daí?

E daí que ser quem gostaríamos pode desandar e nos tornar párias do possível? 

O que importa desperta feito calor que caminha dentro da gente quando identificamos o amor. Amar anda démodé, obsoleto, encardido, andarilho empesteando as ruas com esse vício que é gostar mais que um pouco, além, depois do limite da segurança. E pelos olhos dele observar um mundo que não queremos mais que seja frio e distante.

O que importa desperta até quem não sabe se deitar e cair no sono. Desperta de profundidades tantas, urgências várias e todo tipo de acomodação. Desperta de segredos, emaranhados de tempos perdidos em dedicação às mágoas, e se rebela sempre que colam suas pálpebras no impossível.

O que importa desperta a música. Desperta pessoas na música. Desperta histórias que não merecem se perder por aí. Assim, o que importa nunca para de lutar, de sobreviver, de resistir ao perder-se de si.


Imagem © JL G por Pixabay

carladias.com


Comentários

Amo seus textos Carla, vc me inspira.
Carla Dias disse…
Jacqueline, obrigada, de coração.

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