O FEITICEIRO SR. AMADAN E O GATO MR. STEVENSON RECEBEM VISITAS >> Zoraya Cesar


Mr. Stevenson dormitava no telhado, aquecendo-se ao sol morno da tarde,  aguardando o Sr. Amadan trazer as novidades. A curiosidade nunca mataria aquele gato. 

O feiticeiro chegou com uma novidade e tanto! Seria inspecionado pelo assistente-mor do Prior do Convento dos Feiticeiros das Poções. Era muita honra, mesmo para ele, Amadan, grão-mestre das Químicas dos 6 Estados da Matéria Insubstancial.

O Sr. Amadan já tinha honrarias suficientes. Mas, se aprovado pelo assistente, receberia o Selo Quark de Proficiência, que, além de garantir grandes descontos na compra de material extra-dimensional, dava-lhe o direito de frequentar o Convento dos Feiticeiros das Poções. Sempre tivera o desejo de ver de perto o famoso Jardim das Flores Faladeiras (e como eram faladeiras, aquelas flores! Uma vez descobriram o corpo já morto de uma feiticeira que, ingenuamente, sentou-se para conversar e nunca mais saiu de lá. Muito triste). 

O gato ouviu tudo, as pálpebras semicerradas. Era um gato atípico, Mr. Stevenson, mas vivia com um feiticeiro, o que poderíamos esperar? Na mesma medida em que o Sr. Amadan detestava visitas, o gato as adorava. Toda visita era uma oportunidade para alguma coisa. Qualquer coisa…

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Don Cascarrabias chegou, o semblante carregado, os cabelos roxos oleosos de gomalina¹ grudados na cabeça. Seu nariz enorme e funguento servia de poleiro para uma minipapagainha de penas rosa e amarelas mui graciosa. Até abrir o bico. Soltava imprecações mais cabeludas que as de um pirata e berrava aos quatro ventos: Cascarrabias, seu aspone inútil e pulguento, eu tô de olho em você. Um bichinho insuportável. Mas, quando quietinha, era um mimo!

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O assistente do prior lançava olhares enviesados de crítica para todo lado. Nem mesmo o lauto almoço - sopa de batráquios, salada de açucenas e, de sobremesa, sorvete de cascas de besouro – pareceu agradá-lo.

A cara amuada de Don Cascarrabias e os gritos constantes da papagaia perturbavam sobremaneira o Sr. Amadan. Que se sentiu pior quando a gárgula-campainha começou a gritar estridentemente. Seria possível?, lamentou-se. Pois suspendera todos os atendimentos e entregas aquele dia!

Um Anão das Cavernas Rasas, calças escarlate, gorro verde fosforescente, pedia, urgente, um remédio para perder o medo do escuro, pois viajaria para as Minas Escondidas do Abismo naquela noite. Sr. Amadan explicou que aquela poção tinha de ser encomendada com antecedência, mas explicou em vão: um Anão que se preze jamais acreditava no que ouvia das 30 primeiras vezes.

Na 21ª tentativa de argumentação educada do Sr. Amadan, um irritadíssimo Cascarrabia saiu de dentro de casa xingando cabeludamente (aprendera, claro, com a papagaia - que, aliás, assustada, voou para longe). O Anão, um ser esquentado por natureza, não deixou por menos e deu-lhe uma vigorosa botinada na canela. O assistente uivou de dor e se jogou em cima dele. Teve dedo no olho, mordida na orelha, o assistente sapateou em cima do gorro do Anão, que enfiou terra goela abaixo do assistente… uma baixaria. O Sr. Amadan correu para pegar um balde de água magmática para jogar em cima deles, mas, ao chegar, a briga havia terminado. Ah, que tarde divertida!, pensava Mr. Stevenson. Realmente, adorava visitas. 

O Sr. Amadan sentia um leve desespero. Que desastre! Tinha de tentar remediar a situação. 

Não deu tempo. A gárgula gritou de novo. O Sr. Amadan ainda tentou fingir que era brincadeira dela, que não havia necessidade de atender, mas não teve jeito. Levantou-se, resignado. 

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Era a Senhorita Drosera Regia, em pessoa. Em pessoa e em insetos. Seu corpo magricelo e tentacular estava parcialmente coberto por pequeninos insetos grudados em seus pelos. Um de seus tentáculos rodopiava ameaçadoramente um guarda-chuva grande o suficiente para guardar uma tempestade. 

Era uma cliente azucrinadora profissional, daquelas que nunca estavam satisfeitas: se não encontrasse defeito, inventava um. Era a algoz de qualquer feiticeiro das poções e muitos fugiam dela como o peixe da frigideira. 

- Sr. Amadan, seu feiticeiro de funil furado, meu creme atrai-insetos não está funcionando direito - e agitava o imenso guarda-chuva na direção do apavorado Sr. Amadan, que tartamudeava desculpas e
dizia que acertaria o creme em breve, estava com visitas e…

Mais uma vez, Don Cascarrabias sai porta afora, o dedo em riste, pronto para brigar. Agora sim, entrou em pânico o Sr. Amadan, adeus reputação!

Uma revoada de insetinhos soltou-se do corpo tremelicante da cliente e pousou no cabelo oleoso do assistente do prior, fazendo sua cabeça parecer um pudim de batata roxa com passas. A sacolejante senhorita ficou meio desnudada e, aos gritinhos embaraçados, tapou-se com o imenso guarda-chuva (agora, guarda-nudez). Acusou o assistente de ladrão de insetos. Ele a chamou de desavergonhada. 

Mr. Stevenson balançava a cauda, agitadíssimo, como se acabando de rir (o que  estava, efetivamente). 

O pobre Sr. Amadan correu pegar um borrifador com extrato de texugo para acalmar os ânimos. Mas, quando voltou, a senhorita Drosera havia partido, deixando Don Cascarrabias cheio de mosquinhas na cabeça e um ar aparvalhado.

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Chegada a hora da partida, o golpe final. 

Cadê a papagainha? Procura aqui, procura ali, procura lá. Nada. O feiticeiro olhou suspeitosamente para Mr. Stevenson. Que o olhou de volta com ar indignado e deu-lhe as costas. 

O estado do assistente do prior era deplorável: vestes rasgadas, o olho mais roxo que o cabelo, manquitolando. E cheio de insetinhos. E o sumiço da papagainha. Quem estava planejando sumir era o Sr. Amadan, para outra dimensão. Que catástrofe!

No entanto, na despedida, o irascível, rabugento, brigão e mal humorado assistente do prior deu uma gargalhada e apertou efusivamente a mão do espantado feiticeiro.

- Há muito não me divertia tanto! Ah, que saudades de uma boa briga! Fiz um amigo e ainda conheci minha princesa. Tão romântico trocarmos esculhambações e insetos! Por fim, não sei como fez, mas me livrar daquela papagaia dos infernos, praga da minha ex-mulher para me atazanar, foi a melhor coisa da minha vida!

- Farei altíssimas recomendações ao prior sobre o senhor. Aceite, por favor, essa garrafa de saquê de arroz do Pântano das Desmemórias. A cada novo ano que não receber notícias da maldita ave lhe enviarei uma garrafa dessa bebida inigualável.

E assim, feliz e bem humorado, foi-se embora o temível Don Cascarrabias, assistente-mor do Prior do Convento dos Feiticeiros das Poções. 

E assim, feliz e aliviado, foi dormir o Sr. Amadan, novo detentor do Selo Quark de Proficiência. 

E assim, descansando no telhado, Mr. Stevenson pensou que o saquê preferido do Sr. Amadan estava garantido por um longo, longo tempo. 

E arrotou uma pequena, pequenina pena cor de rosa. Burp. 

¹ gomalina ou gel modelador, para os mais modernos
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Outras aventuras do Sr. Amadan e do gato Mr. Stevenson

Siga o seu horóscopo - se você manda fazer o mapa astrológico, é bom acreditar nele. E alimentar o
gato. Não esqueça de alimentar o gato. 

Acredite em sua cartomante - cartomantes são pessoas muito sensíveis. E costumam fazer previsões de modo enigmático. Tenha certeza de ter entendido o recado.

O Sr. Amadan não vai a bailes. Ou vai? - Você pode ser o melhor feiticeiro das Poções, mas se for distraído, muita coisa pode dar errado. Menos para o gato. O gato Mr. Stevenson sempre se dá bem. 






Comentários

Marcio disse…
Estou decepcionado com o caráter mundano desse Selo Quark de Proficiência. Esperava mais de feiticeiros.
Parece um cartão de fidelidade, como outro qualquer.
Era melhor dar um nome mais comercial à coisa. Proponho algo como Programa Zoraya Cesar Membership Rewards. Fica mais atraente para eventuais incautos.
branco disse…
e o capitalismo chegou ao mundo dos magos. se fosse no mundo normal diria que para se conseguir cartao e ingressos o pesadelo é semelhantemente diferente. o bom humor conduzindo a narrativa é qualquer coisa fora de série. gostado por demais!
Anônimo disse…
Essa história daria um bom filme pastelão! Ou, no mínimo, um desenho animado!
No fim, a moral da história foi "Pássaros que chegam perto de gato, viram almoço (ou jantar)"! Hahaha...
Céus! Quase me convenceu! Jura que a pena era cor de rosa?
Carla Dias disse…
E o Selo Quark de Proficiência chegou pra colocar cada isso no aquilo que lhe pertence. Adorei, Zoraya!
Erica disse…
História divertida, amiguinha. Leve e com detalhes dignos de desenho animado... A la Smurfs hehehe (ops acabei de entregar a idade kkk).
Amei a história levinha. Fofissssss
Claudia Dias disse…
Já imaginei os personagens desse texto deliciosamente rico de experiências sensoriais em uma tela, seria sensacional! Sem falar nos toques de humor, maravilhosos, também!
Paulo Barguil disse…
Zoraya, você, induvidosamente, merece o Selo Crônica de Criatividade! HAHAHAHAHAHA

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