CENÁRIO 1 | AQUELE BAIRRO >> Carla Dias
Não gosta de grandes avenidas, tudo largo de vastidão a se perder de vista. As ruas misturadas em veias de cidade o atraem. Os semáforos mudando ritmos a cada matização, partes de conversas afanadas de estranhos em pontos de ônibus, filas de supermercado, na lojinha de utensílios diversos.
Basta querer escutar.
Dedica tempo a conhecer suas casas e ladeiras, a observar suas faces coradas de inverno invadido por verão e nada modestas declarações de amor registradas em sulfites colados em postes, que sempre lhe fazem suspirar ao lembrar de quem nunca o amou. As árvores engolidas por pequenas criaturas que trabalham em mutirão, amarelando folhas, desfazendo raízes, alimentando-se do que um dia elas foram, de gula para não restar esqueleto. As janelas de olhos fechados, que raramente se abrem para encarar mundo, mas quando o fazem, enchem o quarteirão de alegrias e distribuem novidades.
Anda apegado aos santos dedicados a desarmar homens superpoderosos que alimentam o mercado imobiliário. Pede que poupem as vilas de casas de mais idade do que ele e os pequenos e charmosos cafés onde costuma passar tempo a observar acontecimentos. As histórias que moram neles há vidas. Gosta dos passantes que se alegram ao encontrar uns aos outros. Alegra-se com eles enquanto renova a promessa de que um dia será ele a se perder naquela felicidade que é flerte com o agrado a desfilar pelas ruas do bairro.
Este lugar onde ele constrói suas memórias, uma a uma. Em dias mais rebeldes, aos tantos. Onde prédios são erguidos de lhe apertar o coração. Teme o dia em que eles fecharão de vez os olhos das janelas das casas-surpresas.
Comentários