0 C0NCÍLIO >> Albir José Inácio da Silva

 

- Desde o século XIV que ninguém lida tão bem com a peste! – elogiou Josef.

 

- Não é um feito tão grande assim. Tem gente morrendo no mundo todo! – minimizou Benito.

 

O Conselho estava reunido há quatro dias sem acordo, ao contrário do último certame, ao final da segunda guerra, em que foram escolhidos três novos membros por unanimidade: Adolf, Benito e Josef - o último pré-aprovado.

 

Os conselheiros suavam no salão abafado e fumacento. Outras dependências do complexo tinham modernidades como lâmpadas de led, música ambiente - rock, claro - e até ar condicionado, principalmente nos dormitórios da diretoria. Ninguém é de ferro e a temperatura média é de cinqüenta graus, chegando a setenta nas áreas mais baixas e a 90 dentro da poça.

 

Mas no salão vermelho tudo é tradição, a grande mesa de pedra, os bancos de troncos gastos pelos séculos de uso e a iluminação de tochas.

 

- De onde é esse candidato? – perguntou o Chefe. – Não vem do mesmo lugar que o maldito Papa dos direitos humanos, do perdão e da tolerância? Daquele lugar pode vir alguma coisa que preste?

 

- Não, sataníssimo! Faz fronteira, mas não é o mesmo lugar.

 

Quem respondeu foi Josef que só chegou ali em 1979, mas é respeitadíssimo, um especialista em medicina. Como proponente, foi o primeiro a falar.

 

- Senhores, a peste revelou um talento que não víamos desde meados do século XX. O mundo está cheio de malvadinhos, mas são raros os que merecem sentar nesta mesa. Surgiram aí uns ditadoresinhos como Idi Amim, Pol Pot, Pinochet, Sadam, Kimjonin, que mataram uns miseráveis de tiro, outros de fome, mas todos ridículos. Agora, finalmente, temos um candidato.

  

Nero falou em seguida, não estava convencido, o indicado era só um arremedo de tirano:

 

- É muito atrapalhado e não sustenta o que diz. Fala mal das vacinas, mas acaba comprando. É visto frequentemente usando máscara, não tem autoridade, alguns de seus ministros defendem a ciência e outros insistem em desmenti-lo publicamente.

 

Arrastando os erres, Adolf defendeu a proposta de seu amigo Josef:

 

- Não é culpa dele, aquilo ali não é a poderosa Roma, imperador. Não existe mais a soberania da espada, todo mundo se mete na vida do governante, tem ONU, tratados, pactos e o deus a quatro pra atrapalhar. E ele conseguiu números muitos bons, a taxa de mortalidade é cinco vezes a média do mundo. Acho que tem qualidades para compor este Conselho.

 

Animado com o apoio, o médico acrescentou que tinha vivido seus últimos anos naquele lugar. Era um país difícil, aquela gente tinha mania de solidariedade, cantava, dançava e insistia em ser feliz, mesmo com todas as pragas.

 

O chefe tomou dois comprimidos de enxofre. Estava com dor de cabeça e aquilo não ia acabar tão cedo.

 

(Continua em 15 dias)

 

Comentários

Zoraya Cesar disse…
'sataníssimo' foi ótimo!!! apesar da realidade horrível subjacente, dá pra rir. Mestre é mestre! Dom Albir, pare de nos torturar!
Nadia Coldebella disse…
Me abstenho de comentar até a segunda parte. Tô empolgada.
Albir disse…
Obrigado, Zoraya e Nadia!
branco disse…
mestre albir. aguardando , mas já aviso. está extremamente bom...entso vai ter que rebolar pra conseguir manter o nível, embora em nenhum momento eu duvide que vai conseguir. mais uma pra eu guardar Mestre.

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