OFÍCIO >> Whisner Fraga

às vezes penso na frivolidade da escrita,

sobretudo quando me sento diante da tela e tento, imaginem!, trabalhar,

mas há uma cidade inteira morta: são carlos, foz do iguaçu, ou imperatriz,

chegar até uma cidade inteira morta, mais de duzentos e cinquenta mil corpos,

desprotegidos, expostos, desarmados,

é concebível?,

alguns amigos, como se estivessem nesta cidade inteira morta:

enio,

sr. dimas,

mortos nesta cidade inteira morta,

 aí tento rabiscar algo, a mão hesita, não quer, não precisa,

a mão, as mãos, se adaptam à cabeça, como se ela precisasse de apoio,

e precisa,

badernam o cabelo que nem penteio mais,

e a única palavra que balbucio é vergonha,

ou medo, ou catástrofe, ou desgraça, ou saudade,

mas uma de cada vez,

tento escrever um conto:

vergonha medo catástrofe desgraça saudade

vergonha vergonha vergonha vergonha vergonha

uma cidade inteira morta, helena,

e só posso chorar estes mortos.

Comentários

Sandra Modesto disse…
Eu também chorei. Qdo soube do Enio e de amigos e amigas que fizeram parte da minha vida. Vergonha desse presidente, 1910 mortes nas últimas 24 horas. Por aqui, 48 casos confirmados e duas mortes.
Apesar de triste, seu texto ficou maravilhoso.
Quanta tristeza... seu texto transmite com justeza nossa desolação....
Paulo Barguil disse…
Chorar pelos mortos.
Chorar pelos que agonizam, em casa, nas ruas e nos hospitais.
Chorar pelo ainda vivos, os amedrontados e os irresponsáveis.
Carla Dias disse…
Dá um desalento, não? Enio... Poxa, Enio...
Albir disse…
Mortos uns, mortificados outros, eis o que restou de nós.

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