RETROSPECTIVA? >> Albir José Inácio da Silva
Esta época costuma ser plena de festas e retrospectivas, mas as duas palavras parecem excludentes neste ano.
Talvez haja alguma coisa a comemorar em termos pessoais, mas, como raça humana, é tempo de sacrifício e medo. Até as coisas positivas, como as vacinas, são tentativas ainda. E, por mais que tragam esperanças, ainda não temos resultados. Se forem ótimos, restará o desafio de vacinar todas as pessoas.
A última vez em que ficamos nessa encruzilhada foi há oitenta anos com o avanço do fascismo no mundo. Naquele momento não se sabia aonde as hostes nazistas ou a reação a elas poderiam levar o planeta. Agora o mundo outra vez se assombra: a vacina será eficaz? E as novas ondas? E as novas cepas e mutações?
No ano passado as retrospectivas já eram deprimentes. Mostravam, por exemplo, o terraplanismo fretando navios para encontrar a borda da terra e o negacionismo tentando reescrever os livros de história. Mas tudo pode piorar quando a gente acha que chegou ao fundo.
E neste ano piorou. A pandemia tirou do submundo movimentos anticiência e antivacina, e fez apologia a drogas inócuas para atender interesses políticos e econômicos. Revelou crenças medievais, associando a vacina à marca da besta, e mostrou a incapacidade da saúde pública no atendimento da população.
A bandidagem na administração pública escancarou o que já desconfiávamos: a população foi enganada com discursos eleitoreiros de combate à corrupção. O engano para conquistar ou se manter no poder é nosso velho conhecido. Mas há enganos e enganos.
E compreensível que sejamos enganados pela voz macia do guru religioso que promete “cuidar das pessoas”. Mas será que há engano quando o enganador exalta a tortura e o assassinato, defende as milícias e tem por herói e livro de cabeceira um torturador?
Portanto, vamos esquecer as retrospectivas por hora. Como diz Frei Betto: “Guardemos o pessimismo para dias melhores.”
Resta-nos homenagear os que se foram - e foram tantos!
Nossa solidariedade às dores insuportáveis dos parentes que ficaram.
Nossos pensamentos e preces pelos que lutam ainda pela vida nos hospitais.
Nossos agradecimentos aos que vestidos de paz lutam ao lado deles com o risco da própria vida para salvar a dos outros, participantes de uma roleta russa em que a contaminação é certa, a sobrevivência nem sempre.
Vamos torcer para que a vacina drible o negacionismo e chegue aos nossos braços.
Vamos torcer também para que não retrocedamos às sangrias e sanguessugas para combater “a peste”, como talvez queiram alguns.
Quem sabe no ano que vem possamos fazer festas e retrospectivas de superação e sobrevivência?
Força, companheiros terráqueos, a luta continua!
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