O QUE NÃO CONSIGO VER? >> Cristiana Moura
Hoje era dia de praia. Não por ser fim de semana, ou por fazer parte da rotina de quem mora no litoral. Mas porque foi esperado, planejado — desejo simples compartilhado.
Amanheci com os olhos inchados. Posso supor que seja uma inflamação nas córneas pois já me é conhecida. Frustrei-me uma frustração tão desproporcional ao pequeno desvio de trajetória cotidiana que não me reconheci. Este ano de 2020, vem tentando ensinar a viver o presente, o instante , assim como os budistas nos falam. Mas por mais que eu medite, a formação judaico-cristã deixou gravado em minhas células um anseio pelo amanhã, pela vida por vir, pelo amor que já vivo sendo mais vivido ainda. Vai entender...
Nos olhos, a sensação de como se um um grão de areia invasor estivesse estabelecido moradia entre a pupila e a pálpebra. Nos pulmões, a sensação da criança, que mesmo cansada, não se entrega ao sono, não sabe parar de brincar. No coração, o medo do sentimento oriundo ou do pensamento mágico, ou do cansaço, que à meia noite do dia 31 de dezembro tudo terá se findado e janeiro amanhecerá em sol, brisa e sem tantos vírus no ar, sem a briga por poder jogando tessituras diáfanas sobre a saúde, sobre as realidades, sobre a pobreza, sobre os afetos. No pensamento de fundo, aquele que parece sempre morar por trás da minha cabeça como que escondido, a pergunta: O que não consigo ver?
Chove lá fora chuva inesperada. Não era dia de praia. O dia molhado, meu olhar arranhado. Para fazer jus às emoções, desejos e frustrações, queria mesmo era chorar uma pérola e dar para ela.
Imagem: Detalhe da foto de Lari Arantes disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/quem-sao-as-mulheres-negras-que-transformaram-pais-mas-foram-esquecidas-pela-historia-oficial-23520823
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