WALLACE >> Sergio Geia


Depois de golfadas de chuva que vestiram o sábado com uma capa cinza de melancolia quase londrina, eis que rompe a manhã o sol, um garoto na melhor fase da vida — a juventude. Sem titubeios e aflições por não agradar, com o ímpeto do valente, pronto para encarar qualquer embaraço. E como se dissesse aos amantes primaveris: hoje, não. Hoje faço verão! 

Wallace então me surge à frente. Quando vejo, esqueço-me da beleza da manhã; percebo-me nele, meditando. 

Será Wallace um jovem que de repente desfilou seu frescor de homem forte e sarado perante uns olhos sedentos de amor? Ou quem sabe Wallace já roubou para si um lugar no coração desses mesmos olhos? 

Isso era, de fato, comum. 

Em velhos tempos, a paixão era desenhada na areia, ou em vidros embaçados ou sujos, a giz no asfalto ou na lousa verde do colégio. Às vezes, no recanto privado da casa, no espelhinho depois de banho enfumaçado; mas este, diga-se, era logo apagado, para que em casa ninguém soubesse. 

Às vezes a paixão era anunciada aos quatro ventos: pichações a denunciavam. O muro branco recém-pintado à cal recebia o desenho do amor, para a insatisfação dos proprietários: “Priscila, eu te amo!”. Normalmente um apaixonado anônimo que se escondia na pichação, talvez, com medo de se revelar verdadeiramente à amada; medo de recusa. Ou talvez eu seja um obtuso escritor, talvez Priscila já o soubesse; o recado, uma prova de amor. 

Eu mesmo, em minha tosca inocência de aprendiz, fui capaz de desenhar em recantos a paixão nunca revelada. Pena que o mesmo ímpeto para o desenho não houvesse em termos de iniciativa, e tudo se perdia em devaneios até se tornar uma vaga lembrança. 

Não há dúvida. 

No desenho pintado a dedo no vidro do carro, uma linha tênue em forma de coração abraça delicadamente Wallace. 

A paixão cativou outra vez. 

Agora é com você, amigo.

Comentários

branco disse…
estou aqui de novo e novamente. as vezes deixo de comentar algumas crônicas suas, não por serem menos, mas, você sabe, tem "aquelas" com as quais me identifico. se o narrar é belo, alguns se tornam mais belos sob este narrar. esta crônica é uma delas, daquele tipo do "quanta coisa cabe em uma palavra", daquilo que não foi dito, mas sim, induzido ao leitor, não diria que o "velho Serginho" está de volta, seria desmerecer as belas crônicas que tem escrito, prefiro, antes dizer, "olha lá o Serginho, escrevendo, e com maestria, sobre temas que me são caros". Ganha-se tempo a cada linha que se lê.
sergio geia disse…
Meu querido, essa crônica de hoje, pra mim, também é daquelas. Grato, poeta, pelo lindo comentário.
Zoraya Cesar disse…
Puxa, vou me apoderar da frase de Lord White: ganha-se tempo a cada linha que se lê. Pq a gente perde tempo com tanta coisa boba, aí vem o seu texto pra nos lembrar que, muitas vezes, o bom da vida está nos meandros, nos escondidos, nos wallaces escritos no vidro do carro. Lindo!
sergio geia disse…
Grato, Zoraya! Suas palavras me enchem de alegria. Beijos mil!
Cristiana Moura disse…
Como bem disse Branco: "Ganha-se tempo a cada linha que se lê." Chega deu vontade de apaixonar-me de novo!
sergio geia disse…
Cris, Cris, Cris. Sua linda. Apaixone-se.
Albir disse…
Mesmo sem conseguir explicar, fica-se feliz porque essa crônica foi escrita. Parabéns, Sergio!

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