A APOSTA >> Zoraya Cesar

A coisa começou assim: estava com amigos, todos sacripantas como eu, envergados de tanto beber vodka misturada com outras substâncias legais, quando algum cretino apostou que ninguém teria coragem de dar em cima da nossa gerente e beijá-la sem levar um tapa. Uau, a conversa ficou mais animada, Claudia sempre fora nosso objeto de desejo. E, como é público e notório, homem é fogo, quanto mais inatingível, mais desejada a mulher.

Bonita, eficiente e durona, ela manipulava aquele bando de trogloditas com mão de ferro e sedução. E, como homem não presta, apostamos uma grana violenta naquele que, dentre nós, aceitasse o desafio de beijá-la e viver para contar a história. O feito heróico deveria ser filmado, claro, e mostrado durante um jantar na whiskeria mais cara da cidade, regado a scotch 12 anos. Se fracassasse ou desistisse, o derrotado iria ao jantar travestido de mulher, com direito a acompanhante macho. E pagaria a conta. 

Estúpido que sou, boquirroto e arrogante – mas macho pegador, orgulhoso de minhas inúmeras conquistas-, aceitei o desafio. 

No dia seguinte, sóbrio, percebi a enrascada em que me metera. Amigos, amigos; sacanagens à parte. O bando de urubus ao qual eu pertencia não teria qualquer escrúpulo em divulgar a minha inglória derrota em todas as mídias sociais – eram capazes até de colocar minha foto, vestido de mulher e beijando outro homem, em algum outdoor. Eu faria o mesmo com qualquer um deles. 

Para evitar tal desgraça, resolvi jogar pesado logo de cara e escolhi a quinta-feira, dia em que ela ficava até mais tarde. E quinta-feira chegou, chuvosa, fria, perfeita para uma aproximação romântica. Um certo frenesi percorria os homens do escritório naquele dia, animais a farejar a caça, quebrada, frágil, nas mandíbulas do predador. 

Finalmente todos saíram, ficamos só ela, eu e meus propósitos escusos. Estava nervoso com a magnitude da tarefa: representar os machos da firma e ganhar prestígio entre eles, faturar uma grana e ainda seduzir a chefe. Mas tinha de manter o foco, como bom macho caçador que se preze. 

Entrei na sala de Claudia e iniciei uma conversa mole, entremeando elogios despretensiosos com assuntos de trabalho, para desarmá-la: as estatísticas do departamento tiveram de ser corrigidas, toda mulher devia usar cabelos soltos, as vendas foram melhor que o esperado, ela ficava muito bem de saia... Como são bobinhas as mulheres, mesmo as bem resolvidas amolecem com qualquer elogio, e as que ocupam cargos de chefia tendem a ser carentes, presas perfeitas para um caçador experiente como eu, que também não sou de se jogar fora. 

Entreguei-lhe um relatório, que ela pegou, toda lânguida e charmosa. Minha jugular até latejou, ia ser mais fácil do que pensara. Enquanto ela examinava a papelada, coloquei o celular, já ligado no modo filmagem, numa posição estratégica. Minhas mãos suavam, Claudia não era burra. 

Ela virou-se para mim e sorriu. Era agora ou nunca. Olhei bem fundo naqueles grandes olhos castanhos de corça assustada, que pressente o bote, a luta perdida para o leão poderoso e másculo e puxei-a para mim, beijando-a ferozmente. Ela retribuiu, largando-se nos meus braços. Vitória! Passei para carícias mais audaciosas, tomando cuidado para não deslocar o celular (seria a derrota perder aquele instante máximo de glória). Se soubesse que Claudia era tão carente e fácil, teria dado em cima dela antes. Como são bobinhas as mulheres! Já estava planejando em levá-la para meu apartamento, quando a coisa mais bizarra aconteceu.

Claudia começou a rir. E eu senti um bafo quente no meu pescoço. Aturdido, levantei a cabeça e quase morri de susto.

Bem às minhas costas, Seu Adroaldo, o vigia noturno de 58 anos, um gigante de ébano de mais de 1,80m, forte como um cavalo, cheio de dentes brancos, sorria marotamente para mim. 

Claudia foi direto ao ponto. Havia quase um ano que, às quintas-feiras, ela se entregava a Seu Adroaldo, ali mesmo, no escritório. E já que atrapalhara o idílio carnal deles, seria obrigado a participar de seus joguinhos eróticos, nos quais o único macho alfa era Seu Adroaldo. Era isso ou ele me enchia de pancada, para eu deixar de ser convencido e ter tido a audácia de pensar que ela, Claudia, iria cair naquela minha sedução barata de machista retardado (essa doeu, mas foi a coisa menos dolorosa que me aconteceu naquela noite; vou poupá-los, no entanto, dos detalhes sórdidos).

Eu não tinha muita saída. Seu Adroaldo me olhava de cara feia e eu sabia que ia apanhar feito um cão sarnento se não aquiescesse. Cedi, praticamente chorando. Acho que só não morri porque não era minha hora. Jogo jogado. Eu queria pegar a chefe, mas quem me pegou - e pegou pesado - foi Seu Adroaldo. A vida tem dessas coisas. Macho que é macho enfrenta as adversidades de cabeça erguida, mesmo que as pernas estejam bambas. 

No dia seguinte não fui trabalhar, por motivos óbvios. Apaguei tudo do meu celular. Fiz reserva na tal whiskeria e aluguei meu vestido. Macho que é macho tem de ter fair play

Comentários

Mauro disse…
CREDO. E você disse que não era assustadora...
Anônimo disse…
Zoraya, como sempre você me vinga!!!rs...rs...Ameiiii!!!!! Essa e a do marido sovina no cruzeiro regado a músicas do fake do Roberto Carlos são impagáveis.
Sucesso. Aglae
André disse…
Bom, se isso não é estória de terror, eu não sei mais o que é...
Cecilia Radetic disse…
ADOREI! E ainda achava que o pior a acontecer era se vestir de mulher, hahaha. Só não contou se marcou com o seu Aldroaldo na whiskeria...
Anonimus Machusalpha disse…
Uau! Mestra, você, na minha pele, pensando e agindo como se fosse eu, quase me fez chorar de alegria! Só faltou a coçadinha! (sorry, tentei ser sutil!)
O senão ficou por conta da carcada finamente subentendida, naquela parte em que você já não era mais eu e encarou o sinhôzinho sem nem ter antes finalizado a chefinha.
Qualquer alfa de carteirinha que nem eu teria saído carregado pelo 192, mas entubado só seria no hospital, e mesmo assim se já estivesse em coma!
Mas foi melhor do seu jeito, para ter certeza que você ainda é você mesma, apenas ensaiando seu lado predador, para logo alçar voos mais ousados. Neste caso, ainda bem, pois se te sobrou fair play, faltou meu desavergonhado savoir faire!
Claudinha disse…
Adorei! kkkk

Há muitos macho safados por aí que mereceriam uma "visitinha" do Seu Adroaldo... kkkkk
aretuza disse…
engraçado que os comentários masculinos giraram entre 'credo' e "história de terror", enquanto q os das mulheres são só risos!! claro, adoramos nos vingar dos homens safados!!!
aretuza disse…
engraçado que os comentários dos homens têm "credo", "terror", enquanto que os das mulheres são só risos! claro, nós adoramos ver os caras safados pagarem!!!
Erica disse…
kkkkk Ri muito. Eu esperava tudo... a Chefa estar planejando a mesma coisa, ter apostado também com as amigas, mas um "idílio carnal" com o vigia noturno foi demais rs Que mente pervertida..hahaha

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