A VARANDA >> Carla Dias >>

Eu queria viver na casa do personagem daquele filme só para poder ver o sol nascer da varanda dele. E para poder caminhar pelas manhãs, redescobrir o sol, a claridade. Dar um tempo nesse ser noturno no qual me tornei e que, apesar de me agradar, também precisa sair para passear com a cara cheia de protetor solar, chapelão e sandálias nos pés. Sorrindo daquele jeito que raramente sorri.

Não quero ser o outro... Quero apenas aproveitar o cenário. Aquele lugarzinho no qual o personagem do filme caminha, os braços soltos ao longo do corpo, como que desmaiados, entregues. E ele pensa em tantas coisas que até parece que a cabeça vai explodir. Mas daí que vem o close, o suspiro de quem alcança a saída e ele descobre uma porta secreta para um mundo secreto de leis tão secretas que nem ele sabe se sobreviverá à aventura.

E se eu pudesse ter os adjetivos que o autor concedeu ao personagem, também tocaria o piano. E beberia uma taça de vinho, dançaria sozinha na sala as canções que são de amor e de fé e de liberdade. Esconderia do olhar dos curiosos o meu coração falastrão, acostumado a me entregar já na primeira cena, a alma entediada pelo desamor e pronta para cair de boca no sentimento todo.

Uma languidez...

Gritaria “corta” nos momentos em que me sentisse triste. Esticaria as cenas felizes.


E aquela varanda, me diz? A beleza estonteante grudada no horizonte, parecendo das lonjuras, mas se espreguiçando toda dentro de mim... Ou dele? O personagem eloquente, de um carisma pragmático, a voz entrecortada a cada diálogo pungente. Meu olhar caça o dele, mas ele não me alcança. Sou apenas a telespectadora apaixonada pela varanda da casa dele...A varanda na qual roço pés andarilhos enquanto o sol se põe e eu me visto de noite.

E então volto ao meu lugar, à minha cena, onde tudo é reconhecível e já foi saboreado. Porém a perspectiva é outra, mudando o tom e o andamento da minha rotina.

www.carladias.com

Comentários

Juliêta Barbosa disse…
Carla,

Bom mesmo é saber que depois de todas essas andanças; “ninguém se perde na volta.” Sempre que venho aqui, saio encantada com tuas letras. Obrigada!
Carla, muitos filmes são varanda onde eu quero armar uma rede. :)
Fernanda Arruda disse…
Carla, seus textos alimentam minha alma! Estou sempre por aqui, mas essa é a primeira vez q deixo um comentario : )
Cristiane disse…
Carla, estive também, por uns breves minutos, junto com você nesta varanda, vendo um personagem que não me via, assistindo uma vida que não era minha. Tentei ser também um personagem para ter um nascer e um por do sol feliz na varanda imaginada. Mas ao final do texto percebi que era esta vida real que me fez ter vontade de ser este personagem e estar distante e inalcançável como o personagem do filme.
Lindo texto.
Carla Dias disse…
Juliêta... Bom é que na volta, mesmo se pegarmos o caminho errado, temos a chance de acertar o passo. A gente volta diferente e para fazer a diferença. Obrigada por vir e por me ler.

Eduardo... Nem me diga... As redes e as varandas e os filmes e as pessoas das nossas vidas.

Fernanda... Me deixa muito feliz saber que meus textos alimentam a alma de uma pessoa. Então, pessoa, obrigada por me deixar saber desse acontecimento. Obrigada por aparecer.

Cristiane... Ao assistirmos a vida que não é nossa, a nos apegarmos a ela por algum tempo, percebemos que essas saidinhas da realidade são essenciais, porque voltamos com o coração aquecido, com a cabeça pensante, com as possibilidades nas mãos. Voltamos prontos para melhorar a vida que é nossa. Obrigada por visitar minha varanda.
Marilza disse…
Carla, gosto muito dos seus escritos...
Particularmente, amei seu livro "Os Estranhos".Achei denso, bonito, singular.
Carla Dias disse…
Marilza... Fico feliz em saber que você gosta dos meus escrito. Mais feliz ainda em saber que você leu o meu livro. Obrigada por me permitir ser lida por você.

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