IMAGENS NA PRAÇA, IMAGENS DA CIDADE [Ana Gonzalez]
Passava pela Praça da Sé, quando uma cena me chamou a atenção. Um casal de namorados sentados de frente um para o outro num banco, se olhavam, riam e se abraçavam. Parecia que não havia mais ninguém na praça. Mas eu estava lá com minha memória de uma cena assim. Essa cena eu já vivi, pensei. Já tinha sentido a proximidade de alguém num parque com verde e bancos. Era como se não houvesse mais ninguém.
Talvez os brilhos daquela época fossem diferentes dos que há nas águas dos espelhos desta praça. Nem o barulho da água que cai num pequeno véu de cerca de metro e meio é igual. Nem os pássaros, inúmeros, nem as nuvens do céu refletindo o brilho do sol agora atrás dos prédios. Passado e presente se misturam em meus olhos.
Mas os passantes me levam de volta definitivamente ao mundo atual de concreta materialidade. Vou seguindo meu caminho e vejo. Os passantes indiferentes aos mendigos. Estes, sentados no chão, nos bancos e muros, em grupos e conversando, ausentes das cinzas de um vulcão islandês invasor e de construção de uma usina escandalosa.
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As altas árvores já nem aparecem tanto, em meio ao burburinho. Final de tarde de uma pequena multidão que corre entre os ônibus que se amontoam nas pequenas ruas que ladeiam a grande praça. Que é do povo, sim senhor. Pena ser dele também, o desconsolo de mais um dia cansativo de trabalho. Haverá ainda a sobra de uma esperança para amanhã?
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Seguindo, procurei em vão aquele cantador sentado com um guarda-sol e seu violão. Não estavam lá ao pé da parede que ladeia os três arcos na Faculdade de Direito São Francisco. Senti falta de sua toada brasileira. O morador de rua, deitado, descalço apoiando a cabeça no pedaço de pano que lhe protege as mãos, ignora as dezenas de motos por entre o trânsito, com as luzes acesas.
Virei a esquina e descobri mais um pedaço da cidade. Rua que se abre em uma passarela que sobe para sei lá onde, caminho sem fim, e a arquitetura com o céu ao fundo, um dia que acabará fatalmente em céu escuro. Parece que meus olhos se cansaram de gente. Da dor e da miséria do cotidiano.
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Mas continuo com uma sensação de encontro e de vida. Permanência da imagem do casal, talvez. Eles continuaram pelas ruas e suas personagens, numa memória subliminarmente avivada. A presença do mesmo sentimento de encanto amoroso de outrora. Talvez hoje direcionado às pessoas, aos mendigos e passantes. À criança de cabelos desgrenhados. A esta cidade que me reacende a alma. Pela decifração de um movimento, uma força quase ctônica, saindo do chão e subindo pelas construções. Saindo e enchendo todos os cantos, perpassando todos os vãos e buracos das ruas e interrogações dos indivíduos.
E este sentimento de mim para fora, essa quase alegria tão deslocada, paradoxal, abre-se para um espaço, um nada que cria sentido. Assim, um amor se espalhando pelo ar, pelos olhos, ruas e praças, pela cidade, pela vida.
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Hebe