SíNDROME DE AVALON >> Alfonsina Salomão


Essa estranha síndrome concerne uma parte específica do nosso planeta, a Bretanha, região que hoje faz parte da França mas divide muito do seu patrimônio histórico e cultural com a Grã-Bretanha. Ao visitarem seus antigos vilarejos, todo feitos de pedras, os turistas se deparam com um ambiente peculiar. As casas são envoltas em uma névoa espessa e mal se pode avistar a torre da igreja. Em uma esquina, um letreiro indica uma livraria celta, cuja pequena entrada lembra um portal que dá acesso a outras épocas, outros universos. Pequenos restaurantes oferecem crepes com nomes sugestivos, como “geléia de vinte ervas dos druidas”. As prateleiras dos bares exibem centenas de cervejas artesanais, além do choucheen ou hidromel, elixir que, segundo os locais, proporcionava vigor e alegria aos druidas. 
 
Até aí, tudo bem. As divagações começam, em geral, quando os turistas decidem desbravar a natureza. Descobrem então altas falésias e belas paisagens marinhas, não raro debaixo de uma chuva fina e ventos fortes. Paradoxalmente, a hostilidade do clima aumenta o poder de sedução do local, ao mesmo tempo impenetrável e irresistível. Em uma caminhada em meio às florestas e descampados da região, os visitantes descobrem misteriosas pedras em forma de cone, os menires. Dispostos em linhas, círculos ou solitários, eles são testemunhas de um outro tempo. Os turistas podem apenas imaginar o que se fazia ali, em meio à essas pedras incógnitas, face ao mar, às ondas que se quebram com força abaixo das falésias, debaixo da garoa e do vendaval, dentro das brumas... 
 
Pois alguns não se contentam em imaginar. Tomados por essa atmosfera, homens e mulheres, mas sobretudo mulheres, se despem e invocam os poderes dos cinco elementos. Seus corpos nus parecem insensíveis ao frio. Seus cabelos voam livres ao vento. Suas vozes se elevam nos ares e entoam cantos estranhos. O céu parece conjurar, as nuvens ficam pesadas e se aproximam da terra, por vezes se ouve o ruído de trovões. Aqueles que não são tomados pelo surto se amedrontam. Ultrapassados pelo espetáculo diante de seus olhos, temendo a tempestade que parece se aproximar, eles se apressam a partir. Buscam refúgio nas pousadas, onde se reconfortam comendo um pedaço de bolo encharcado de manteiga, sem ousarem comentar o que presenciaram: a transformação de suas esposas, maridos, filhas e filhos em estranhos despidos, criaturas selvagens e inatingíveis. No dia seguinte, os insurgentes retornam com o olhar tranquilo e um leve sorriso nos lábios. Conversam sobre o clima e divagam sobre qual será o passeio do dia, como se nada houvesse acontecido. Não se fala naquilo. O segredo da síndrome de Avalon permanece velado, conhecido apenas daqueles que a vivenciaram.

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Caraca! Que cenário mais incrível! E que síndrome mais peculiar... Vou investigar mais.
Alfonsina, obrigada pelo texto muito inspirador!
Lady Killer disse…
Alfonsina, à medida que as linhas passavam, mais e mais eu entrava no ambiente, me sentia lá, sua descrição foi incrível! E o final! Fiz uma catarse, parecia que eu estava lá. Muito obrigada por me trazer essas sensações. Quero ser mais uma a guardar a síndrome de Avalon na minha história.
sergio geia disse…
Essas brumas devem ser mágicas.
Albir disse…
Alfonsina, sua descrição me levou muito perto da síndrome. Encantado!

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