A DOR DO OUTRO >> Ana Raja


O marcador do tempo: o tamanho do corpo.

É possível imaginar a fragilidade, como sempre.

O perigo sondava, sentia o cheiro da inocência, 

resvalava nos sonhos.

Uma bala, um míssil, um tapa, um empurrão, uma palavra.

Então, estourou aquele futuro insanamente.

Destroços.

É possível identificar a vulnerabilidade,

assim como tocar o que desmanchou.

Não se sabe ao certo quantos anos.

O corpo está coberto por um lençol parecido com papel alumínio.

A bestialidade de todas as guerras.

A mãe também não foi poupada.

E por que seria?

Se arrastaria pelos becos escuros em culpa… 

melhor assim.

Ele ficará ali…

até o corpo ser recolhido.

Ele ficará ali...

sentado na cadeira que lhe ofereceram.

A cor dos cabelos de anos, o ombro curvado, o olhar assombrado.

Ele trocaria de lugar.

Deus sabe, trocaria.  

É isso, a imposição pela força com o único objetivo de proteger interesses próprios.

Desde que o mundo é mundo.

Ele continua à espera — até que a levem para além da calçada manchada de sangue.

Quanta dor….

Deus sabe o quanto.

Uma menina de 8, 9 ,7 anos?

O avô sabe dizer.

Desacomodado em uma cadeira, anestesiado, surdo pela explosão, aguarda o resgate do corpo. 

A menina é pequena para ficar sozinha. 


Comentários

Soraya Jordão disse…
Profundo em cada letra. Suas palavras deram a eternidade a querida menina.
Marlene disse:
Como sempre sua escrita é impactante. A estrutura com frases curtas é tocante e nos leva a refletir sobre muitos aspectos dolorosos do cotidiano.
sergio geia disse…
Um retrato impactante. Como o humano pode ser cruel.
Jander disse…
Ana, você escreve tão bem que não sobra nem o que comentar.
Albir disse…
Ufa! Tanta precisão e economia nas palavras que fica parecendo uma navalha! Muito bom, Ana!
Lady Killer disse…
Um sutil e cruel texto tipo corte de gilete: a gente sente o corte momentos depois e vê o sangue escorrendo e a dor latejando. Impactante, bonito, real.
Nadia Coldebella disse…
realmente, uma navalha, afiadíssima!
a ultima linha, em especial, é de uma crueza e dor sem tamanho.
fico imaginando o desespero do avô.
senscional!
Whisner Fraga disse…
Que cenas! Uma crônica escrita com delicadeza e respeito, rigor. Parabéns.

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