ATÉ QUE A MORTE NOS REÚNA - final >> Albir José Inácio da Silva

 

(Continuação de 1º de maio - A paixão que sentiam pelo mesmo garoto nunca atrapalhou a amizade das duas, mas a opção de Roberto por Maria da Glória afastou Tânia. Ela não foi ao casamento de sonho, e não frequentou a família feliz, até que, na gravidez do primeiro filho, surgiu a hipertensão de Glória, Roberto ficou desempregado porque o sogro faliu, e acabaram-se os anos dourados)

 

Não conseguiram mais pagar o plano de saúde, e precisaram de empréstimo para consultas, exames e medicamentos.

 

Tão logo soube das dificuldades, Tânia reapareceu. Providenciou atendimento e remédios no hospital público em que trabalhava. O menino nasceu lá, com a presença vigilante de Tânia e o empenho de médicos amigos.

 

A segunda e não planejada gravidez preocupou a todos, principalmente aos médicos - gravidez e pressão alta não combinam. Mas o zelo de Tânia, que saía direto dos plantões para cuidar de Glória, permitiu que a amiga chegasse ao parto em segurança. Nasceu uma bela menina, a quem Glória chamou de Tânia.

 

Mas Taninha não foi a única coisa boa naquele dias, Roberto conseguiu emprego e ótimo salário como gerente comercial de uma firma estrangeira. Já podia pagar plano de saúde e dar uma vida confortável para Glória e as crianças. O problema seriam as viagens frequentes. Problema, não fosse a Tânia.

 

Tânia exagerava na dedicação. Além dos remédios, administrava a alimentação e os exercícios físicos de Glória. Trouxe complementos homeopáticos com autorização do cardiologista, que não acreditava naquelas bolinhas, “mas se vocês querem!”

 

Fosse qualquer outra pessoa e Glória ficaria com ciúmes pela maneira como ela tratava as crianças, contava histórias e trazia presentes, mas, como era Tânia, ficava agradecida.

 

As crianças cresciam, Roberto viajava e Tânia cuidava. Ela acompanhava a amiga nas consultas, e Glória ficou feliz de ouvir do médico que aquele problema não precisava tirar um único dia da sua vida, que milhões de pessoas viviam bem com a hipertensão desde que com os cuidados adequados.

 

Tânia disse ao médico que Glória não dormia bem, se agitava muito e ficava cansada durante o dia. Glória não tinha certeza disso, mas Tânia sabia melhor que ela. O médico receitou um calmante.

 

Glória estava realizada. Apesar da doença e das viagens de Roberto, sentia-se protegida e amada, tinha uma família linda, uma vida confortável e uma amiga imprescindível. Reparou que Tânia estava diferente, não tinha mais atitudes agressivas, falava baixo e pausado e sorria quando não gostava de alguma coisa. Amadureceu. A rivalidade silenciosa do passado parece que nunca existiu – pensou Glória, olhando o rosto sempre sorridente da amiga.

 

Roberto chegou tarde de viagem e encontrou Tânia velando o sono de Glória. Ouviu num sussurro que a esposa teve uma crise de pressão, a amiga colocou sob sua língua um comprimido “SOS” e deu-lhe um sedativo. Agora ela descansava tranquila.

 

Roberto foi dormir no quarto das crianças para não incomodar. E pela manhã recebeu a pior notícia de sua vida.

 

Morte em domicílio é sempre uma situação complicada e o médico de Glória estava viajando. Mas a chorosa Tânia não teve dificuldades em conseguir que um amigo atestasse o óbito.

 

No enterro, Tânia seguiu ao lado de Roberto, segurando as mãos das crianças. Abaixava-se com freqüência para consolar, abraçar e enxugar uma lágrima.

 

Chegaram em casa ao anoitecer. Deu muito trabalho fazer com que comessem alguma coisa, só um copo de leite e alguns biscoitos.

 

Tânia ficou no quarto com as crianças até que dormissem. Quando retornou à sala, Roberto continuava sofá, com o rosto inchado, olhando o infinito da parede.

 

Ela trouxe um comprimido, ele tinha que descansar para acordar melhor. Precisava ser forte, os filhos iam precisar muito dele, acrescentou.

 

Alguns minutos depois ela o sacudiu suavemente para que fosse dormir na cama.

 

Depois fechou as janelas, conferiu o sono das crianças, sorriu para a foto de Glória na estante e apagou a luz.

 

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Caríssimo,

Eu amei, vc pode imaginar. Se a Tânia não tiver como enterrar os corpos, eu até empresto o meu carro. Acredito que vc tem ai uma personagem muito psicopática, uma assassina em série... porque não?

Mas vou ter que desabafar aqui. Sempre sou acusada colocar medo em certas pessoas, já quiseram me mandar a conta do psiquiatra e da farmácia. Enfim, a hipocrisia...

Fala séééerio, D. Albir? Vai entrar pra escola da Lady Killer? Porque tá tudo tão bem amarradinho, com o motivo tão claro, psicologicamente tão perfeito, o modus operandi tão adequado ao contexto que acho que vc e a Zoraya vão fazer sociedade e eu vou ter uma trabalheira pra enterrar toda essa gente.Sem contar que de hj em diante, terei medo confesso de enfermeiras, hospitais e calmantes... Ah, mon dieu!
Jander disse…
Como é bom encontrar um texto daqueles em que você termina um parágrafo e já tá desesperado pelo próximo. Amei a paciência e a sutileza com as quais a história vai se desenrolando. Mandou muito bem, Albir.
Zoraya Cesar disse…
HAHAAH, começo rindo do comentário da nossa Countess! Pode deixar, Amiga, eu divido os custos do carro com vc e compro pás novas.
Mas D. Albir surpreendeu e eu AMEI o desenrolar da história, o desfecho, tudo. Nem vou falar o qto foi bem escrito q isso é óbvio, né?
Anônimo disse…
Albir, existe uma "escola" no Crônica do Dia. Acabei de constatar outro membro dessa escola. E pensar que você dizia ter medo depois de ler as histórias da Zoraya. Tsc. Tsc. Tsc. André Ferrer aqui. Rá-rá-rá!
Albir disse…
Obrigado, Nádia, Jander, Zoraya e André!

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