MOÇADA, É O SEGUINTE: >> Sergio Geia

 


Quando percebi que estava seguindo por um lugar acadêmico demais, que começava a borbulhar em palavras, pensei: epa, hora de parar. Parei. E pensei também que eu precisava de luz. Desci. Fui ao mercadinho aqui na rua de casa comprar pão, aproveitei para agradecer pela dúzia de bananas-ouro do dia anterior, doces como a promessa. Depois do café, a luz Caio. 
 
Então voltei ao momento reflexão. 
 
Humberto Werneck é um grande cronista. Mineiro, jornalista e escritor, publicado pela Companhia das Letras, pela Cosac Naify, ganhador de prêmios literários, colunista do Estadão, livros e livros, enfim, dispensa apresentações. Certa vez assisti a uma entrevista sua. Vestindo uma camisa lilás e com simplicidade ele dizia que não está fácil atrair o “leitorado” — expressão que utilizou —, para as suas crônicas. Que fazia uso de todas as redes sociais para divulgar o seu trabalho, e ainda assim, leitores minguavam. 
 
Cronistas do quilate de Maria Ribeiro (atriz, ex-Saia-Justa, podcaster, escritora, UNIVERSA, UOL) e Tati Bernardi (escritora, roteirista, Folha de São Paulo), que escrevem para grandes veículos, sempre estão divulgando no Instagram pessoal os seus textos. Maria até busca ajuda nos recursos audiovisuais. 
 
A cada sábado que publico, logo pela manhã, quando sai a crônica (ela sai a cada 15 dias), eu mando o link para os grupos do WhatsApp, para as queridas e queridos que me pedem o envio no WhatsApp pessoal, posto no Facebook, marco alguns amigos (que me pedem) nos comentários, divulgo no Instagram, enfim, uma loucura só. E ainda assim, leitores, cadê vocês? 
 
Então penso: se Humberto Werneck faz isso e reclama da ausência deles. Se Maria e Tati buscam dar um up na audiência, imagina então o pobre Geia, com suas humildes crônicas quinzenais?, e me acalmo. 
 
Semana passada fui a um evento no Sítio do Picapau Amarelo, em Taubaté, acompanhando amigas e amigos escritores, que falaram da obra de Lobato, da força de sua narrativa, e do conhecer que só a leitura proporciona. Apesar da qualidade do evento, do alto nível das exposições, da boa divulgação, da semana Monteiro Lobato que agitou o Sítio, a plateia era minúscula e de conhecidos. 
 
Novos tempos? É o tempo da informação rápida, da tecnologia batendo à porta, da preguiça com o texto longo, o livro-tijolo, o filme comprido. É a lei do menor esforço, a preguiça do ouvir, do estar, do ficar quieto prestando atenção. Tempos sombrios? 
 
Sempre que vejo uma notícia de que a audiência de novelas, especialmente a das nove, é cada vez menor, e isso vem em letras garrafais a ponto de gerar matéria, minha primeira reação é deixar escapar um sorriso do canto da boca. Ora, ora, meus entendidos. A audiência se pulverizou. Há muita coisa boa em tanto lugar, principalmente no streaming, que cada um viaja pro destino que mais lhe apetece. Esse pensamento me deu sinais. 
 
A principal utilidade da literatura, na visão de Rodrigo Lacerda, é aplacar um pouco a sensação de que a vida é muito estreita (1). A literatura me transporta para uma vida que eu não poderei viver. 
 
Moçada, é o seguinte: tudo bem, o celular tá aí, o streaming, as séries, vocês não desgrudam deles, é um mundo, okay. Mas nada, nada pode competir com as possibilidades que só a literatura proporciona, através da imaginação. Mais que conhecimento, mais que fazer você se transportar para outras vidas, mais que prazer, ela vai ampliar a sua consciência, vai tatuar importâncias à sua alma. 
 
Ainda duvida? 
 
“Curioso é que não tenho nada nas mãos. Tenho na alma, será? Mas o que se leva na alma é tão impalpável e tão invisível que é sempre como não se levasse nada” (2). 
 
Mas leva. Não duvide. 
 
O que estão esperando para pegar um bom livro? Partiu? 
 
 
 
P.S.: 1. “A literatura é uma válvula de escape para essa sensação terrível de que não só a vida é muito estreita como a cada opção que você toma, ela se estreita ainda mais.” Rodrigo Lacerda, Jornal Rascunho, 01/10/2012 https://rascunho.com.br/noticias/rodrigo-lacerda/; 2. “Uma semana-Fassbinder” – Caio Fernando Abreu, O Estado de São Paulo, 03/09/1986; 3. Ilustração: Pixabay.

Comentários

Jander disse…
Escrever fácil é o jeito mais difícil de escrever.
Mandou bem demais na metacrônica, Sergio!
Nadia Coldebella disse…
Exelente crônica. Meta-reflexiva. E perturbadora tbm, pq até a gente, como escritor, se rende às delícias da dona Netflix.

Esse é um dos assuntos que tenho refletido recentemente, porque fico triste em saber do pouco alcance dos meus textos (mas não sou tão dedicada qto vc na divulgação, estou mais para quem espera intervenção divina), porém tbm tenho a humildade de saber o meu lugar (e nem rezo tanto). As vezes me rendo à horas de tela, procuro informações rápidas e tenho evitado tudo o q me prende por horas. É uma consciência dolorosa saber que vc é aquilo que vc critica.

Mas como psicóloga não me culpo, tento entender o fenômeno.

A minha hipótese é q vivemos em tempos de sobrecarga de extimulos causado pelo excesso de informações e pela proliferação de opções. Não há tempo pra digestão, então se reduz ou se limita a ingestão. O problema é q o tempo é curto, então vamos de fastfood.

Moral da história: estamos num processo de ressaca que se retroalimenta e vicia.

Talvez a única saída seja a completa abstinência. Assim os bons hábitos podem ser retomados. Talvez.

Gde bjo
sergio geia disse…
Grato, Nádia, Jander. O livro hoje, o texto, tem grandes concorrentes. Acho que tem espaço para todas as linguagens. Mas ler exige e as pessoas fogem do que dá trabalho depois de um dia pesado. Mas há esperança.
Luiz Silva disse…
Li um artigo outro dia, que no pós guerra mundial até anos 1990, havia um crescimento intelectual e que agora estamos regredindo. Paradoxalmente, nunca li tanto quanto atualmente. Antes só lia quem queria realmente ler no livro físico. Hoje, alternativas não faltam. Eu, sou cego. É graças as tecnologias que eu viajo em obras como Dostoiéviski por exemplo. Só que eu quero ler. Quem não quer, aí não adianta. O ato de ler não me faz melhor, talvez, mais reflexivo, talvez, menos emburressido, escrito assim, talvez, mais aborrecido.
Zoraya Cesar disse…
Sergio, é o seguinte: a literatura é soberana. Mas estamos vivendo em um período de mais sombras que luz, dificulta a leitura. Pior, a própria literatura é uma luz, por si só, e a luz, quando bate nos olhos acostumados à escuridão, doi. Ninguém quer ser desperto. Ando pessimista. Desculpe.
Pelo menos li seu texto maravilhoso e vi alguma luz!
Albir disse…
A literatura, as artes em geral, a ciência, a cultura em geral sofreram revezes que vamos precisar de tempo pra superar. São fáceis de destruir e difíceis de reerguer.
sergio geia disse…
Quanto material para reflexão. Show de bola!

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